quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A ideia de que todo crente é obrigado a dizimar 10% da sua renda para a obra do Senhor é largamente difundida nas Igrejas evangélicas de hoje. Já bem cedo na vida espiritual, praticamente todo crente é ensinado que tem que dizimar. Algumas Igrejas acreditam tão fortemente em dizimar que seus membros regularmente recitam o Credo do Dizimista – “O dízimo é do Senhor. Pela verdade, o aprendemos. Pela fé, o cremos. Pela alegria, o damos. O dízimo!”.

Outros muitos pregadores têm ensinado que qualquer crente que não entregue o dízimo para o trabalho do Senhor está roubando Deus e está sob maldição, de acordo com Malaquias 3:8 – 10, mas isso não é verdade, eles retiram do texto o seu sentido original; é uma forma de amedrontar os crentes incautos (ignorantes) em relação ao conhecimento bíblico.

Examinaremos o que a própria Bíblia ensina sobre o assunto do dízimo, sendo nosso propósito entendermos somente pela Bíblia qual a real relevância que o dízimo tem para os crentes no Senhor Jesus Cristo, vivendo sob o Novo Pacto. Faremos isto examinando o que a própria Bíblia tem a dizer sobre o dízimo: — [1] – Pacto Abraâmico (antes de a Lei ser dada), [2] – Pacto Mosaico (sob a Lei Mosaica – Malaquias 3), e [3] – No Novo Pacto em Cristo (nas Escrituras do Novo Testamento).

1 – Pacto Abraâmico (antes da Lei ser dada).

Existem duas passagens bíblicas que falam de um dízimo sendo dado antes que a Lei fosse instituída no Sinai (Pacto Mosaico). As passagens envolvem Abraão e Jacó, dois dos patriarcas de Israel.

Gênesis 14:17 – 20 diz, “E o rei de Sodoma saiu-lhe ao encontro (depois que voltou de ferir a Quedorlaomer e aos reis que estavam com ele) até ao Vale de Savé, que é o vale do rei. E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o, e disse: — Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. E Abrão deu-lhe o dízimo de tudo”.

Nesta passagem, é dito que Abrão deu um dízimo a Melquisedeque, presumivelmente como uma expressão de gratidão a Deus por capacitar-lhe e conceder-lhe resgatar seu sobrinho Ló, que tinha sido levado cativo. Aqueles que crêem que o dízimo é mandatório para os crentes do Novo Testamento argumentam que, uma vez que o dízimo foi praticado antes que a Lei Mosaica fosse dada, ele forçosamente também tem que ser praticado depois da Lei Mosaica, que tem sido feita obsoleta pelo estabelecimento do Novo Pacto, através do sacrifício de Cristo, Hebreus 8:13.

No entanto, antes que cheguemos a qualquer decisão dura e apressada, olhemos de mais perto o texto [acima] e façamos algumas observações pertinentes.

Não há nenhuma evidência neste texto de que dizimar foi ordenado por Deus. De fato, tudo no texto nos leva a crer que dar o dízimo foi, completamente, uma decisão, e livre escolha de Abrão. Como tal, foi completamente voluntária. Como veremos pouco depois em nosso artigo, o dízimo, na Lei, de modo algum era voluntário, mas sim obrigatório a todo o povo de Deus. Ademais, este é o único dízimo que as Escrituras mencionam que deu Abraão, e posteriormente, jamais retornou a dar [em toda a sua vida]. Não temos nenhuma evidência de que dizimar era sua prática geral (habitual, constante). Ainda mais, este dízimo proveio do despojo da vitória que Abraão adquiriu por poderio militar.

Como notaremos depois em nosso artigo, o dízimo exigido sob a Lei Mosaica era sobre o lucro da colheita, dos frutos e dos rebanhos, e para ser dado em uma base anual, não o despojo de uma vitória militar!

Outro texto é Gênesis 28:20 – 22, que diz, “E Jacó fez um voto, dizendo: — Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer, e vestes para vestir; e eu em paz tornar à casa de meu pai, o SENHOR me será por Deus; e esta pedra que tenho posto por coluna será casa de Deus; e de tudo quanto me deres certamente te darei o dízimo”.

Jacó, nesta passagem, está fazendo um voto em resposta a uma visitação que recebeu de Deus, em um sonho. Neste sonho, Jacó viu uma escada alcançando o céu, com os anjos de Deus subindo e descendo por ela. No sonho, Deus estava de pé, acima da escada, e disse a Jacó “[…] Eu sou o SENHOR Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência; e a tua descendência será como o pó da terra, e estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra; e eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque não te deixarei, até que haja cumprido o que te tenho falado” (v. 13 – 15). Em resposta, Jacó fez o voto que, se Deus guardasse sua promessa, ele, por sua vez, daria a Deus um dízimo.

Novamente, em semelhança ao exemplo de Abraão, parece que este dízimo foi voluntário da parte de Jacó. Se ele de fato começou a dizimar [a Bíblia não o registra] depois que Deus cumpriu a promessa que lhe fez, Jacó ainda adiou o dizimar por 20 anos (até depois da volta a Canaã).

Sem falar, que este sonho de Jacó aponta muito mais para a salvação do homem, o Pacto Redentivo, a inauguração do Reino de Deus, do que propriamente o dizimar, compare João 1:51 com Gênesis 28:12, e note do que se tratava o sonho de Jacó, diz o texto — “E eis que era posta na terra uma escada cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela”. Esta “escada” era a figura de Cristo; o Evangelho –, a mensagem desse texto é de salvação prometida e cumprida em Cristo Jesus na cruz do Calvário, não o dízimo.

Estes dois são os únicos exemplos do dizimar que pode ser encontrado no Antigo Testamento antes da Lei ser dada. Ambos são exemplos de algo voluntário, e nenhum desses dois dizimaram a pedido de Deus. Em nenhum dos personagens (Abrão e Jacó, que deram estes dois dízimos), vemos um exemplo de dizimar como uma prática geral (habitual, constante, mensal) das suas vidas, como são exigidos das vidas dos crentes nas Igrejas.

De fato, na vida de Abrão, parece que temos um dízimo como algo que ele só deu uma única vez em sua vida, e foi (um dízimo) dos despojos de uma vitória militar, dado a um sacerdote de Deus. Se nossa única evidência para obrigar crentes sob o Novo Pacto a dizimarem se apoia nestas duas passagens de Gênesis, parece-me que estamos nos apoiando em um fundamento muitíssimo inseguro, e falso.

2 – Pacto Mosaico (sob a Lei Mosaica – Malaquias 3).

O que diz o texto de Malaquias 3:8 – 12? Estes versículos ensinam os seguintes princípios: — [1] – Israel (não a Igreja do Novo Pacto) estava negligenciando seu relacionamento de concerto com Deus por roubá-lo nos “dízimos e nas ofertas”. [2] – Sua negligência levou-lhe um julgamento retributivo. [3] – Deus desafiou a agir contra a sua negligência, provando sua fidelidade nesse assunto de dar.

Se ele desse “todos os dízimos”, Deus abriria “as janelas do céu” (mandaria as chuvas necessárias) e repreenderia “o devorador” (destruiria as locustas de devoravam a plantação). Note que esse texto nada tem haver com crentes que não dizimam sob o Novo Testamento, mas com o relacionamento negligente de Israel com Deus, quebrando assim, seu concerto.

3 – No Novo Pacto em Cristo (nas Escrituras do Novo Testamento).

Embora não haja nenhum consenso na Igreja contemporânea quanto à aplicabilidade dos princípios do Novo Testamento quanto ao dízimo, de fazer prova de Deus na área das finanças quanto a repreensão de Deus às coisas que devoram as finanças ou à provisão financeira de Deus àqueles que dão fielmente, há uma concordância geral de que o Novo Testamento nos ensina a dar substancialmente ao Senhor (cf. 2 Coríntios 9:7 – 9).

John Bunyan disse certa vez: — “Um santo nunca dizia, esta moeda é minha, e, quanto mais ele dadivava, mais ele tinha”. Muitos têm torcido 2 Coríntios 9:9 como se ensinasse que Deus quer que dadivemos tendo, dentro de nós mesmos, o objetivo de recebermos; este tipo de ensino apela para a carne, e faz crescer um espírito de avareza e cobiça nos crentes. Mas, ao contrário disto, Paulo nesta passagem está ensinando que devemos dadivar com o objetivo de recebermos mais para podermos dadivar ainda mais – e com o intento de que, o maior número de necessitados sejam alcançados e a obra de Deus seja sustentada para o louvor da glória da sua graça.
Há também concordância de que Ele é um Deus que se deleita em responder com graciosa provisão, especialmente para suprir necessidades especiais (cf. Mateus 6:25 – 34). Ele faz isso não como uma espécie de barganha, mas por ser bom e fiel, mesmo quando não somos fiéis, nem bons.

Acerca da maldição da lei, dita por “pastores”; se não devolverem o dízimo, eles bradam, vocês serão amaldiçoados, pois roubam a Deus. Já vimos que os textos de Malaquias falam acerca de Israel, e dos sacerdotes (cf. Malaquias 1:1; 2:1).  E como refutamos, acerca desta posição que eles dizem “maldição da Lei” imposta aos transgressores da Lei? Com o texto sagrado de Gálatas 3:13, que descreve a anulação (abolição) da maldição em Cristo para todos os cristãos. Diz o texto: — “Cristo nos redimiu da maldição da lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: — Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro”. “O Filho Amado se fez maldito, para que os malditos fossem feitos filhos amados; Ele foi obediente em lugar dos desobedientes; Ele é fiel em lugar de infiéis”.

Através da sua morte na cruz, Cristo fez por nós o que não poderíamos fazer, de sermos fiéis em todos os seus caminhos; sua obra, e não a nossa, removeu de nós a “maldição” por causa da desobediência da Lei (v. 13), como o relato acima de Malaquias, onde todo Israel estava sendo desobediente; o Novo Testamento nos mostra que essa maldição foi anulada, abolida de uma só vez e definitivamente na cruz, e Cristo levou sobre si toda a ira de Deus, que seria destinada a nós – Igreja.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

Falsos mestres

Este é um bom momento para ser um falso mestre e defender uma doutrina mortal. Parece que o herege mais desavergonhado na atualidade receberá uma audiência e, com toda a probabilidade, um contrato para publicar um livro. A novidade é atraente, a ortodoxia é considerada enfadonha. São aqueles que fazem o alerta e lançam o desafio que correm o risco de serem rotulados de “odiadores”. Há mais paciência para aqueles que subvertem a verdade de modo sorrateiro do que para aqueles que a defendem corajosamente. A convicção é um sinal de arrogância, enquanto a humildade é expressa na incerteza. O amor, ao que parece, requer que suportemos com paciência qualquer quantidade de erro. E esse tipo de amor, nos é dito, é exemplificado por Jesus. Ele não julgou, acolheu todas as opiniões, teria aceitado diferentes tipos de ensinos, desde que esses ensinos contivessem amor e vestígios de verdade.
No entanto, um rápido exame dos evangelhos mostra que essa opinião está muito distante do Jesus da Bíblia. Isso mostra que a sociedade reinterpretou Jesus através do relativismo de nossos dias. Quando Jesus interagia com pessoas buscadoras, perdidas e equivocadas, ele invariavelmente era compassivo. Ele lhes respondeu com paciência e bondade. Mas quando Jesus interagia com hipócritas religiosos e falsos mestres, ele respondia com ira justa e convicção firme.
Hoje, aqueles que amam a verdade precisam aprender a demonstrar uma convicção firme como a de Jesus por meio da antiga disciplina da polêmica: a prática de se engajar em debates e disputas públicas. O objetivo da polêmica não é ­­­­“marcar pontos” ou flexionar o músculo teológico, mas repreender os mercadores de erros e expressar preocupação com aqueles que são capturados por suas mentiras. Como os antigos hereges de Creta, os falsos mestres de hoje devem ser calados “porque andam pervertendo casas inteiras, ensinando o que não devem, por torpe ganância” (Tt 1.11). Ao fazermos isso bem, imitamos a Jesus Cristo, que foi um polemista habilidoso.
Vemos um exemplo da polêmica de Jesus em Mateus 23, onde Jesus fala à multidão sobre os escribas e fariseus. O que ocorre nessa ocasião não é uma defesa privada, mas uma censura pública. Jesus aborda publicamente a doutrina mortal daqueles líderes religiosos em benefício de suas vítimas e de vítimas em potencial. Jesus não esconde nada. Ele não tem tempo para elogia-los pelas coisas que fazem bem. Ele não prepara o seu discurso para dar-lhes o benefício da dúvida. Antes, especifica o seu erro doutrinário e ações de injustiça; as rotula com linguagem forte, mas apropriada; adverte sobre as consequências de seu erro; e convoca os seus ouvintes a rejeitarem os falsos mestres e a sua doutrina mortal.

Jesus evidencia o erro doutrinário dos falsos mestres

Aquelas autoridades religiosas estavam mascarando o erro como se fosse a verdade. Jesus confronta o erro deles dizendo à multidão: “Atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los” (Mt 23.4). Em nome de Deus, esses líderes defendem um sistema de justiça baseado em obras que ignora e nega a livre graça de Deus. Jesus lhes dá um exemplo de seu falso ensino: “Ai de vós, guias cegos, que dizeis: Quem jurar pelo santuário, isso é nada; mas, se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou!” (Mt 23.16). Eles reinventaram a fé para que pudessem manter uma aparência religiosa mesmo quando violavam os juramentos. Eles adaptaram as suas crenças para que pudessem permanecer justos segundo a letra da lei, mesmo que violassem o seu espírito. Jesus identifica isso como uma falsa doutrina e a enfrenta.
Quando respondemos ao erro lhe dando o benefício da dúvida, chegamos perto de cometer o mesmo erro que os falsos mestres: mascarar o erro como se fosse a verdade. Como Jesus, devemos amar a verdade e amar as pessoas o suficiente para chamarmos o erro do que ele é.

Jesus evidencia as ações injustas dos falsos mestres

As autoridades religiosas ensinam o erro como se fosse a verdade e, em consequência, agem de modo hipócrita. Quando Jesus adverte a multidão do erro doutrinário desses líderes, ele também fala sobre as ações ímpias deles. “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!” (Mt 23.23). E novamente: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, mas estes, por dentro, estão cheios de rapina e intemperança! Fariseu cego, limpa primeiro o interior do copo, para que também o seu exterior fique limpo!” (Mt. 23. 25-26). Jesus evidencia as ações injustas dos falsos mestres.
Alguns podem achar difícil conciliar o amor de Jesus e sua repreensão ousada nessa ocasião, mas isso revela uma perigosa tendência de separar o amor de Deus de sua implacável demanda pela verdade. Desonra a Deus quando chamamos a injustiça de boa (Is 5.20). Honra-o quando nós, como Jesus, chamamos a injustiça de má.

Jesus evidencia a verdadeira identidade dos falsos mestres

Tendo evidenciado a injustiça deles, Jesus descreve e rotula apropriadamente os falsos mestres. Somente em Mateus 23, Jesus chama os escribas e fariseus de “hipócritas” seis vezes. Além disso, ele os chama de “guias cegos”, “insensatos e cegos”, “cegos”, “túmulos caiados”, “filhos dos que mataram os profetas”, “serpentes” e “raça de víboras”. Jesus não se esquiva de chamar os falsos mestres exatamente do que eles são.  O “Jesus manso e humilde” expressa sem pecar a ira divina para com aqueles que deveriam falar a verdade, e não o erro, e que ensinavam doutrinas de demônios sob a bandeira do céu.
É verdade que devemos sempre evitar difamar alguém, chamando-o do que não é. Mas é igualmente verdade que quando Deus é caluniado por falsos mestres que afirmam ensinar em seu nome, devemos chamá-los do que eles são.

Jesus evidencia o juízo vindouro dos falsos mestres

Jesus se certifica que os seus ouvintes conheçam a completa gravidade dessa doutrina mortal. Ele sabe que aderir a tais ensinos falsos terá as consequências mais terríveis, então seis vezes ele repete a expressão “Ai”. Essa é uma palavra de juízo divino, de miséria abjeta que pressagia um fim miserável. “Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do inferno?” (Mt. 23.32). Eles não escaparão, e nem aqueles que se submetem a tal erro odioso.
Como temos explorado ao longo desta série, a doutrina falsa é uma doutrina mortal que conduz mestres e ouvintes à destruição. É bom e amoroso alertá-los sobre essa destruição, para que retornem “à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade” (2Tm 2.26).

Jesus chama os seus ouvintes para a verdade

Jesus expõe a doutrina mortal e as ações injustas desses falsos mestres. Ele descreve apropriadamente aqueles que aceitam essa doutrina e expõe as consequências desse erro. No entanto, a polêmica não é meramente confrontar o erro, mas também ensinar a verdade. E a ortodoxia não é apenas conhecer a verdade, mas também se submeter a ela. Por essas razões, Jesus apela aos seus ouvintes para que se afastem do absurdo e da inconsistência do erro em relação à verdade de Deus. Ao contrário dos escribas e fariseus que fazem todos os seus atos para serem vistos pelos outros, Jesus diz à multidão: “Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado” (Mt 23.11-12).
Se os ouvintes de Jesus apenas aplicarem a razão e a lógica, eles verão que esse ensino não pode ser verdadeiro e que essas ações não promovem a justiça. Eles rejeitarão o que é falso e aceitarão com alegria o que é verdadeiro. Eles deixarão de lado a falsa doutrina e a hipocrisia religiosa para, em vez disso, abraçarem a sã doutrina e a vida piedosa.

Conclusão

Este é um bom momento para ser um falso mestre e defender uma doutrina mortal. E continuará a ser, a menos que o povo de Deus aceite a sua responsabilidade de defender a fé e proteger as pessoas vulneráveis. Jesus nos deixou tanto a ordem quanto o exemplo. Jesus mostra que, enquanto a polêmica gera poucos amigos (afinal de contas, foram os que ele repreendeu que o mataram e os que ele advertiu que o abandonaram), isso honra Deus e salva os ouvintes de caírem na armadilha da doutrina mortal.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Thomas de Aquino

Tomás de Aquino (Roccasecca, 1225 – Fossanova, 7 de março de 1274), foi um frade católico da Ordem dos Pregadores (dominicano) italiano cujas obras tiveram enorme influência na Teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é conhecido como “Doctor Angelicus”“Doctor Communis” e “Doctor Universalis”. “Aquino” é uma referência ao condado de Aquino, uma região que foi propriedade de sua família até 1137.
Ele foi o mais importante proponente clássico da Teologia natural e o pai do tomismo. Sua influência no pensamento ocidental é considerável e muito da filosofia moderna foi concebida como desenvolvimento ou oposição de suas ideias, particularmente na ética, lei natural, metafísica e teoria política. Ao contrário de muitas correntes da Igreja na época, Tomás abraçou as idéias de Aristóteles – a quem ele se referia como “o Filósofo” – e tentou sintetizar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo. As obras mais conhecidas de Tomás são a “Suma Teológica” (em latim: Summa Theologiae) e a “Suma contra os Gentios” (Summa contra Gentiles). Seus comentários sobre as Escrituras e sobre Aristóteles também são parte importante de seu “corpus” literário. Além disso, Tomás se distingue por seus hinos eucarísticos, que ainda hoje fazem parte da liturgia da Igreja.
Tomás é venerado como santo pela Igreja Católica e é tido como o professor modelo para os que estudam para o sacerdócio por ter atingido a expressão máxima tanto da razão natural quanto da Teologiaespeculativa. O estudo de suas obras há muito tempo tem sido o cerne do programa de estudos obrigatórios para os que buscam as ordens sagradas (como padres e diáconos) e também para os que se dedicam à formação religiosa em disciplinas como filosofia católica, teologia, história, liturgia e direito canônico. Tomás foi também proclamado Doutor da Igreja por Pio V em 1568. Sobre ele, declarou Bento XV:
“Esta ordem (dominicana) […] ganhou novo lustre quando a Igreja declarou os ensinamentos de Tomás como seus próprios e este Doutor, honrado por elogios especiais dos pontífices, o mestre e patrono das escolas católicas”.
Tomás nasceu em Roccasecca, no condado de Aquino do Reino da Sicília (atualmente na região do Lácio, na Itália) por volta de 1225. De acordo com alguns autores, nasceu no castelo de seu pai, Landulfo de Aquino, que não pertencia ao ramo mais poderoso de sua família e era apenas um miles (“cavaleiro”). Já a mãe de Tomás, Teodora, era do ramo Rossi da família napolitana dos Caracciolo. Enquanto o resto da família dedicou-se à carreira militar, seus pais pretendiam que Tomás seguisse o exemplo do irmão de Landulfo, Sinibaldo, que era abade do mosteiro beneditino de Monte Cassino, uma carreira perfeitamente normal para o filho mais jovem de uma família nobre do sul da Itália da época. Aos cinco anos de idade, começou a estudar em Monte Cassino, mas, depois que o conflito militar entre o imperador Frederico II e o papa Gregório IX chegou à abadia no início de 1239, Landulfo e Teodora matricularam o pequeno Tomás no “studium generale” (a universidade em Nápoles), recém-criada por Frederico em Nápoles. Foi provavelmente lá que Tomás foi introduzido aos estudos de Aristóteles, Averróis e Maimônides, importantes influências para sua filosofia teológica. Seu professor de aritmética, geometria, astronomia e música era Pedro da Ibérnia. Foi também durante seus estudos em Nápoles que acabou sob a influência de João de São Juliano, um pregador dominicano que era parte do grande esforço empreendido pela Ordem dos Pregadores para recrutar seguidores. Finalmente, aos dezenove, Tomás resolveu se juntar à ordem, o que não agradou sua família. Numa tentativa de impedir que Teodora influenciasse a escolha de Tomás, os dominicanos arranjaram para que ele se mudasse para Roma e, de lá, para Paris. Porém, durante a viagem para Roma, seguindo as instruções de Teodora, seus irmãos o capturaram quando ele bebia num riacho e o levaram de volta para seus pais no castelo de Monte San Giovanni Campano. Ficou preso por cerca de um ano nos castelos da família em Monte San Giovanni e Roccasecca, numa tentativa de fazê-lo mudar de idéia. Preocupações políticas impediram que o papa interviesse em defesa de Tomás, aumentando significativamente o tempo que ficou preso. Durante este período de provações, Tomás ensinou suas irmãs e escreveu para seus irmãos dominicanos. Desesperados com a teimosia de Tomás, dois de seus irmãos chegaram a ponto de contratarem uma prostituta para seduzi-lo. De acordo com a lenda, Tomás a expulsou com um ferro em brasa e, durante a noite, dois anjos apareceram para ele enquanto ele dormia para fortalecer sua determinação de permanecer celibatárias (Hampden, The Life, p. 25) – questionáveis as experiências pessoais de cada um – não levemos como importante para a vida cristã de cada membro do corpo de Cristo; este é um dos males da Igreja contemporânea, substituir a Escritura –, as doutrinas divinas, por experiências, muitas vezes falsas, mas até mesmo verdadeiras de outras pessoas não servem como doutrina (cf. 2 Coríntios 12:1) “não devemos nos gloriar”, note que Paulo usa outra pessoa para descrever a sua própria experiência, “conheço um homem”, as experiências têm o seu lugar na vida da Igreja, mas devemos ter o cuidado de examinar uma após outra, e a vida daqueles que afirmam ter tais experiências com o testemunho das escrituras, muitas seitas foram aparecendo pelas “experiências” de seus fundadores (cf. 2 Coríntios 11:14, 15), devemos ficar seguros e firmados na Palavra de Deus (João 5:39).
Em 1244, percebendo que todas suas tentativas de dissuadir Tomás fracassaram, Teodora tentou salvar a dignidade da família e arranjou para ele escapasse durante uma noite pela janela. Ela acreditava que uma fuga secreta da prisão era menos prejudicial que uma rendição aberta aos dominicanos. Tomás seguiu primeiro para Nápoles e, depois, para Roma, onde se encontrou com João de Wildeshausen, o mestre-geral da Ordem dos Pregadores.
Tomás via a Teologia (a “doutrina sagrada”) como uma ciência cuja matéria-prima era as Escrituras e a tradição da Igreja Católica. Estas fontes, por sua vez, seriam, segundo ele, produtos da autorrevelação de Deus a indivíduos ou grupos de indivíduos através da história. Finalmente, fé e razão, distintas e relacionadas, seriam as duas ferramentas primárias para processar os dados teológicos. Ele acreditava que ambas eram necessárias ou, melhor, que a “confluência” de ambas era necessária – para obter-se o verdadeiro conhecimento de Deus. O objetivo final da Teologia, para Tomás, era utilizar a razão para perceber a verdade sobre Deus e experimentar a salvação através desta verdade.
1 – Revelação.
Aquino acreditava que a verdade é conhecida pela razão (“revelação natural”) e pela fé (“revelação sobrenatural”). Esta tem sua origem na inspiração pelo Espírito Santo e está disponível através do ensinamento dos profetas, reunidos nas Escrituras e transmitidos pelo “magisterium”, coletivamente chamado de “tradição”. Já a revelação natural é a verdade disponível a todos através da natureza humana e dos poderes da razão, por exemplo, aplicando métodos racionais para perceber a existência de Deus. Assim, apesar de se poder deduzir a existência e os atributos de Deus através da razão, certas especificidades só podem ser conhecidas através da revelação especial de Deus em Jesus Cristo. Os principais componentes teológicos do cristianismo, como a Trindade e a Encarnação, são revelados nos ensinamentos da Igreja e nas Escrituras; não podem, portanto, ser deduzidos pela razão humana.

2 – Criação.
Como católico Aquino acreditava que Deus é o “criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis”; como Aristóteles, defendia que a vida poderia se formar a partir de matéria não viva ou de plantas, uma forma de abiogênese conhecida como “geração espontânea”: — “Como a geração de uma coisa é a corrupção de outra, não é incompatível com a primeira a formação de coisas; que, da corrupção do menos perfeito, o mais perfeito deva ser gerado. Assim, animais gerados da corrupção de coisas inanimadas ou de plantas possam então ser gerados”— Suma Teológica, Tomás de Aquino.
Além disso, Tomás defendia – em seu comentário sobre a “Física”, de Aristóteles – a teoria de “Empédocles” de que várias mutações das espécies emergiram ainda durante a Criação. Ele argumenta que estas espécies foram geradas através de mutações no esperma animal de forma não esperada pela natureza. Para estas espécies, simplesmente não havia intenção de que tivessem existência perpétua: —“O mesmo vale para aquelas substâncias que Empédocles afirma terem sido produzidas no começo do mundo, como a “descendência do touro”, ou seja, meio-homem e meio-touros. Pois se tais coisas não conseguiram encontrar algum objetivo e um estado natural final para que pudessem ter sua existência preservada, não foi por que a natureza assim não quis (um estado final), mas por que eles não conseguiram ser preservados. Pois não foram gerados de acordo com a natureza, mas pela corrupção de algum princípio natural, como ainda hoje ocorre quando filhos monstruosos são gerados pela corrupção da semente” — Comentário sobre a Física, Tomás de Aquino.
Santo Agostinho concordava fortemente com o senso comum de sua época, de que os cristãos deveriam ser pacifistas filosoficamente, mas que deviam utilizar a força como meio de preservar a paz no longo prazo. Ele argumentou muitas vezes que o pacifismo não era contrário à defesa dos inocentes ou à autodefesa, por exemplo. Resumidamente, Agostinho acreditava que, para a preservação da paz no longo prazo, o uso justificado da força poderia ser necessário, mas estabelecia limites para isso, exigindo, por exemplo, que as guerras com esta finalidade deveriam ser defensivas e ter a restauração da paz (e não a conquista de vantagens) como objetivo.
Aquino, séculos depois, aproveitou-se da autoridade dos argumentos de Agostinho quando tentou definir as condições para que uma guerra fosse considerada justa, resumidos na “Suma” (Justo L. Gonzalez (1984). The Story of Christianity. [S.l.]: Harper San Francisco):
[1] – Primeiro, a guerra deve ocorrer por uma causa boa e justa e nunca pela busca de riqueza ou poder. [2] – Segundo, a guerra justa deve ser declarada por uma autoridade legalmente instituída, como um estado. [3] – Terceiro, a paz deve ser a motivação central em meio à violência decorrente.
3 – Natureza de Deus.
Aquino acreditava que a existência de Deus era autoevidente, mas não era evidente para os homens. “Portanto, digo que esta proposição, “Deus existe”, em si mesma, é autoevidente, pois o predicado é o mesmo que o sujeito […]. Agora, como não conhecemos a essência de Deus, a proposição não é autoevidente para nós e precisa ser demonstrada por coisas que nos são mais conhecidas, apesar de menos conhecidas em sua própria natureza – nomeadamente, pelos efeitos”.
Ele acreditava também que se poderia demonstrar a existência de Deus. De forma breve na “Suma Teológica” e mais extensivamente na “Suma contra os Gentios”, Aquino considera em detalhes seus cinco argumentos para a existência de Deus, amplamente conhecidos como “quinque viae” — “cinco vias”:
[1] – Movimento: — algumas coisas indubitavelmente mudam sem serem capazes de provocar seu próprio movimento. Como, segundo o racional de Tomás, não pode haver uma cadeia infinita de causas para um movimento, decorre que deve existir um “Primeiro Movimentador”, não movido por nada anterior e este seria o que todos entendem como sendo Deus.
[2] – Causa: — como no caso do movimento, nada é causa de si próprio e uma cadeia causal infinita seria impossível, deve haver uma “Primeira Causa”, conhecida por Deus. Aquino neste caso baseia-se nas assertivas de Aristóteles sobre os princípios do ser. O conceito de Deus como prima causa (“causa primeira”) deriva do conceito aristotélico do “movedor imovível” (Nichols, Aidan (2002). Discovering Aquinas. Grand Rapids, MI: Eerdmans Publishing Company. p. 80 – 82).
[3] – Existência do necessário e do desnecessário: — nossa experiência inclui coisas que certamente existem, mas que são, aparentemente, desnecessárias. Porém, não é possível que tudo seja desnecessário, pois então, quando nada houver (que seja necessário), nada existiria. Portanto, somos compelidos a supor que existe algo que existe “necessariamente”, cuja necessidade deriva de si próprios; na realidade, ele próprio seria a necessidade para que tudo o mais existisse. Este seria Deus.
[4] – Gradação: — se podemos perceber uma gradação nas coisas no sentido de que algumas são mais quente, boa etc., deve haver um superlativo que é a coisa mais verdadeira e nobre e, portanto, a que “existe mais completamente”. Esta, então, seria Deus.
[5] – Tendências ordenadas da natureza: — uma direção para as ações em direção a uma finalidade se percebe em todos os corpos governados pela lei natural. As coisas sem consciência tendem a ser guiadas pelos que a tem. A isto, chamamos Deus (Summa of Theology I, q. 2, The Five Ways Philosophers Have Proven God’s Existence). Sobre a natureza de Deus, Aquino acreditava que a melhor abordagem, geralmente chamada de via negativa em latim, é considerar o que Deus “não é”. Seguindo assim, ele propôs cinco expressões sobre as qualidades divinas:
Deus é simples, sem composição de partes – como “corpo” e “alma” ou “matéria” e “forma”. Deus é perfeito, nada lhe-falta. Ou seja, Deus é diferente dos demais seres por sua completa realização. Tomás definiu Deus como “Ipse Actus Essendi subsistens” (“subsistente ato de ser”). Deus é infinito, ou seja, Deus não finito no sentido que os seres criados são físico, intelectual e emocionalmente limitado. Esta infinidade deve ser diferenciada da simples infinidade de tamanho ou número. Deus é imutável, não passível de mudanças de caráter ou essência. Deus é uno, sem diversificação em si próprio. A unidade de Deus é tal que sua essência é idêntica à sua existência. Nas palavras de Tomás, “em si mesma, a proposição “Deus existe” é necessariamente verdadeira, pois, nela, sujeito e predicado são o mesmo”.
4 – Natureza de Jesus.
Na “Suma Teológica”, Tomás começa sua discussão sobre Jesus Cristo relembrado a histórica bíblica de Adão e Eva e descrevendo os efeitos negativos do pecado original. A partir daí, ele desenvolve seu argumento de que o objetivo da Encarnação era restaurar a natureza humana, removendo a “contaminação pelo pecado”, algo que os humanos são incapazes de realizar por si mesmos. “A Sabedoria Divina julgou apropriado que Deus tornar-se-ia humano para que, assim, Este pudesse restaurar o homem e dar uma satisfação”. Tomás argumentou a favor da visão da satisfação da expiação, ou seja, que Jesus morreu “para dar satisfação por toda a raça humana, que foi sentenciada a morrer por causa do pecado”.
Aquino argumentou contra diversos teólogos que defendiam pontos de vista diferentes sobre Jesus. Em resposta a Plotino, afirmou que Jesus era verdadeiramente divino e não um simples ser humano. Contra Nestório, que sugeriu que o Filho de Deus estaria meramente conjuminado com o Cristo homem, defendeu que a completude de Deus era parte integral da existência de Cristo. Contra-atacou as visões de Apolinário defendendo que Cristo tinha uma alma verdadeiramente humana (racional, portanto) e a dualidade de naturezas de Cristo (a humana e a divina). Contra Eutiques, afirmou que esta dualidade permaneceu mesmo depois da Encarnação e, contra os ensinamentos de Maniqueu e Valentim, que as duas naturezas existiam simultaneamente e separadamente num único corpo humano real.
Resumindo, “Cristo tinha um “corpo real” da mesma natureza que o nosso, uma “verdadeira alma racional” e, além disso, a “divindade perfeita”: — “Respondo que, a pessoa ou hipóstase de Cristo pode ser vista de duas formas, primeiro, como ela por si mesma e, assim, de todo simples, mesmo como a natureza do Verbo, segundo, no aspeto da pessoa ou hipóstase a quem ela subsiste através de uma natureza; e, assim, a Pessoa de Cristo subsiste em duas naturezas. Assim, embora haja um ser subsistindo nEle, há diferentes aspectos de subsistência presentes, motivo pelo qual diz que ele é uma pessoa composta, um ser subsistindo em dois”.
Ecoando Atanásio de Alexandria, Aquino afirmou que: — “O Unigênito Filho de Deus […] assumiu nossa natureza para que, feito homem, pudesse fazer dos homens deuses”.

sábado, 21 de abril de 2018

Uma breve história do protestantismo

Brasil é o terceiro país protestante do mundo. Esse status deve-se ao trabalho de  Brasil é o terceiro país protestante do mundo. Esse status deve-se ao trabalho de incansáveis missionários que atuaram no Brasil, desde os primeiros calvinistas até ao grande trabalho de outros cristãos reformados. Desde o descobrimento do Brasil até hoje, já se passaram 509 anos e os cristãos evangélicos chegaram a terras brasileiras pela primeira vez em 1555, antes desse ano só quem atuou como missionários no Brasil foram os católicos. As perseguições aos missionários que atuavam no Brasil foram tão grandes que em 1646 já não se tinha nem sequer indícios do protestantismo. Depois de mais de cento e cinquenta anos de trevas, em que a chamada santa inquisição proibia a entrada de estrangeiros no Brasil. Finalmente, em 1808 uma nova lei que permitia o comércio entre países amigos abriu novamente o caminho para os missionários voltarem para o Brasil. Vamos viajar na História para compreendermos um pouco do trabalho realizado pelos missionários estrangeiros em terras brasileiras que deram o “pontapé” inicial para que chegássemos em 2018 com mais de 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.   OS PROTESTANTES CHEGARAM AO BRASIL Os primeiros protestantes chegaram ao Brasil ainda no período colonial. Dois grupos são particularmente relevantes: — Os franceses na Guanabara (1555 – 1567): — no final de 1555, chegou à Baía da Guanabara uma expedição francesa comandada pelo vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, para fundar a “França Antártica”. Esse empreendimento teve o apoio do almirante huguenote Gaspard de Coligny, que seria morto no massacre do dia de São Bartolomeu (24/08/1572).Em resposta a uma carta de Villegaignon, Calvino e a Igreja de Genebra enviaram um grupo de crentes reformados, sob a liderança dos pastores Pierre Richier e Guillaume Chartier (1557). Fazia parte do grupo o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde estudou na Academia de Genebra e tornou-se pastor († 1611). Ele escreveria um relato da expedição, História de uma Viagem à Terra do Brasil, publicado em Paris em 1578. Em 10 de março de 1557, esses reformados celebraram o primeiro culto evangélico do Brasil e talvez das Américas. Todavia, pouco tempo depois Villegaignon entrou em conflito com as calvinistas acerca dos sacramentos e os expulsou da pequena ilha em que se encontravam. Alguns meses depois, os colonos reformados embarcaram para a França. Quando o navio ameaçou naufragar, cinco deles voltaram e foram presos: — Jean du Bordel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques le Balleur. Pressionados por Villegaignon, escreveram uma bela declaração de suas convicções, a “Confissão de Fé da Guanabara” (1558). Em seguida, os três primeiros foram mortos e Lafon, o único alfaiate da colônia, teve a vida poupada. Balleur fugiu para São Vicente, foi preso e levado para Salvador (1559 – 67), sendo mais tarde enforcado no Rio de Janeiro, quando os últimos franceses foram expulsos. A França Antártica é considerada como a primeira tentativa de estabelecer tanto uma Igreja quanto um trabalho missionário protestante na América Latina. Os holandeses no Nordeste (1630 – 54): — depois de uma árdua guerra contra a Espanha, a Holanda calvinista conquistou a sua independência em 1568 e começou a tornar-se uma das nações mais prósperas da Europa. Pouco tempo depois, Portugal caiu sob o controle da Espanha por sessenta anos – a chamada “União Ibérica” (1580 – 1640).  Em 1621, os holandeses criaram a Companhia das Índias Ocidentais com o objetivo de conquistar e colonizar territórios da Espanha nas Américas, especialmente uma rica região açucareira: — o nordeste do Brasil. Em 1624, os holandeses tomaram Salvador, a capital do Brasil, mas foram expulsos no ano seguinte. Finalmente, em 1630 eles tomaram Recife e Olinda e depois boa parte do Nordeste. O maior líder do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau–Siegen, que governou o Nordeste de 1637 a 1644. Nassau foi um notável administrador, promoveu a cultura, as artes e as ciências, e concedeu uma boa medida de liberdade religiosa aos residentes católicos e judeus. Sob os holandeses, a Igreja Reformada era oficial. Foram criadas vinte e duas Igrejas locais e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até mesmo um sínodo, o Sínodo do Brasil (1642 – 1646). Mais de cinquenta pastores ou “predicantes” serviram essas comunidades. A Igreja Reformada realizou uma admirável obra missionária junto aos indígenas. Além de pregação, ensino e beneficência, foi preparado um catecismo na língua nativa. Outros projetos incluíam a tradução da Bíblia e a futura ordenação de pastores indígenas. Em 1654, após quase dez anos de luta, os holandeses foram expulsos, transferindo-se para o Caribe. Os judeus que os acompanhavam foram para Nova Amsterdã, a futura Nova York. BRASIL IMPÉRIO O século XIX testemunhou a implantação definitiva do protestantismo no Brasil. Primeiras manifestações: — Após a expulsão dos holandeses, o Brasil fechou as suas portas aos protestantes por mais de 150 anos. Foi só no início do século XIX, com a vinda da família real portuguesa, que essa situação começou a se alterar. Em 1810, Portugal e Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação, cujo artigo XII concedeu tolerância religiosa aos imigrantes protestantes. Logo, muitos começaram a chegar, entre eles um bom número de reformados. Depois da independência, a Constituição Imperial (1824) reafirmou esses direitos, com algumas restrições. Em 1827 foi fundada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemão-Francesa, que veio a congregar, ao lado de luteranos, reformados alemães, franceses e suíços. Um dos primeiros pastores presbiterianos a visitar o Brasil foi o Rev. James Cooley Fletcher (1823 – 1901), que aqui chegou em 1851. Fletcher foi capelão dos marinheiros que aportavam no Rio de Janeiro e deu assistência religiosa a imigrantes europeus. Ele manteve contatos com D. Pedro II e outros membros destacados da sociedade; lutou em favor da liberdade religiosa, da emancipação dos escravos e da imigração protestante. Ele escreveu o livro O Brasil e os Brasileiros (1857), que foi muito apreciado nos Estados Unidos. Fletcher não fez nenhum trabalho missionário junto aos brasileiros, mas contribuiu para que isso acontecesse. Foi ele quem influenciou o Rev. Robert Reid Kalley e sua esposa Sarah P. Kalley a vir para o Brasil, o que ocorreu em 1855. Kalley fundou a Igreja Evangélica Fluminense em 1858. No ano seguinte, chegou ao Rio de Janeiro o fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, o Rev. Ashbel G. Simonton. PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO “Ao iniciar-se o século XIX, não havia no Brasil vestígio de protestantismo” (B. Ribeiro, Protestantismo no Brasil Monárquico, 15). Em janeiro de 1808, com a chegada da família real, o príncipe-regente João decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. Em novembro, novo decreto concedeu amplos privilégios para os imigrantes de qualquer nacionalidade ou religião. Em fevereiro de 1810, Portugal assinou com a Inglaterra tratados de Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação. Este, em seu artigo XII, concedeu aos estrangeiros “perfeita liberdade de consciência” para praticarem sua fé. Tolerância limitada: — proibição de fazer prosélitos e falar contra a religião oficial; capelas sem forma exterior de templo e sem uso de sinos. O primeiro capelão anglicano, Robert C. Crane, chegou em 1816. A primeira capela foi inaugurada no Rio de Janeiro em 26/05/1822; seguiram-se outras nas principais cidades costeiras. Outros estrangeiros protestantes: — americanos, suecos, dinamarqueses, escoceses, franceses e especialmente alemães e suíços de tradição luterana e reformada. “Quando se proclamou a Independência, contudo, ainda não havia igreja protestante no país. Não havia culto protestante em língua portuguesa. E não há notícia de existir, então, sequer um brasileiro protestante” (B. Ribeiro, ibid., 18). Com a independência, houve grande interesse na vida de imigrantes, inclusive protestantes. Constituição Imperial de 1824, art. 5º: — “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. 1820 – suíços católicos iniciaram a colônia de Nova Friburgo; logo a área foi abandonada e oferecida a alemães luteranos que chegaram em maio de 1824: — um grupo de 324 imigrantes acompanhados do seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn (1784 – 1864). A maior parte dos imigrantes alemães foi para o sul: — cerca de 4.800 entre 1824 e 1830 (60% protestantes). Primeiros pastores: — Johann Georg Ehlers, Karl Leopold Voges e Friedrich Christian Klingelhöffer. Junho 1827: fundação da Comunidade Protestante Alemã-Francesa do Rio de Janeiro, por iniciativa do cônsul da Prússia Wilhelm Von Theremin. Luteranos e calvinistas. Primeiro pastor: Ludwig Neumann. Primeiro santuário em 1837 (alugado); o edifício próprio foi inaugurado em 1845. Por falta de ministros ordenados, os primeiros luteranos organizaram sua própria vida religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores, os “pregadores-colonos”. Na década de 1850, a Prússia e a Suíça “descobriram” os alemães do sul do Brasil e começaram a enviar-lhes missionários e ministros. Isso criou uma Igreja mais institucional e européia. Em 1868, o Rev. Hermann Borchard (chegou em 1864) e outros colegas fundaram o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul, que foi extinto em 1875. Em 1886, o Rev. Wilhelm Rotermund (chegou em 1874), organizou o Sínodo Rio-Grandense, que se tornou modelo para outras organizações similares. Até o final da Segunda Guerra Mundial as Igrejas luteranas permaneceram culturalmente isoladas da sociedade brasileira. Uma consequência importante da imigração protestante é o fato de que ela ajudou a criar as condições que facilitaram a introdução do protestantismo missionário no Brasil. Erasmo Braga observou que, à medida que os imigrantes alemães exigiam garantias legais de liberdade religiosa, estadistas liberais criaram “a legislação avançada que, durante o longo reinado de D. Pedro II, protegeu as missões evangélicas da perseguição aberta e até mesmo colocou as comunidades não católicas sob a proteção das autoridades imperiais” (The Republic of Brazil, 49). Em 1930, de uma comunidade protestante de 700 mil pessoas no país, as Igrejas imigrantes tinham aproximadamente 300 mil filiados. A maior parte estava ligada à Igreja Evangélica Alemã do Brasil (215 mil) e vivia no Rio Grande do Sul. PROTESTANTISMO MISSIONÁRIO As primeiras organizações protestantes que atuaram junto aos brasileiros foram as sociedades bíblicas: Britânica e Estrangeira (1804) e Americana (1816). Traduções da Bíblia: protestante – Rev. João Ferreira de Almeida (1628 – 1691); católica – Pe. Antonio Pereira de Figueiredo (1725 – 1797). Primeiros agentes oficiais: SBA – James C. Fletcher (1855); SBBE – Richard Corfield (1856). O trabalho dos colportores. A Igreja Metodista Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades missionárias junto aos brasileiros (1835 – 41). Obreiros: Fountain E. Pitts, Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder. Fundaram no Rio de Janeiro a primeira escola dominical do Brasil. Também atuaram como capelães da Sociedade Americana dos Amigos dos Marinheiros, fundada em 1828.   Daniel P. Kidder: — figura importante dos primórdios do protestantismo brasileiro. Viajou por todo o país, vendeu Bíblias, contactou intelectuais e políticos destacados, como o Pe. Feijó, regente do império (1835 – 37). Escreveu Anotações de Residência e Viagens no Brasil, publicado em 1845, clássico que despertou grande interesse pelo nosso país.            James Cooley Fletcher (1823 – 1901): pastor presbiteriano estudou em Princeton e na Europa, casou-se com uma filha de César Malan, teólogo calvinista de Genebra. Chegaram ao Brasil em 1851, como novo capelão da Sociedade dos Amigos dos Marinheiros e como missionário da União Cristã Americana e Estrangeira. Atuou como secretário interino da legação americana no Rio e foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana. Promotor entusiasta do protestantismo e do “progresso”. Escreveu O Brasil e os Brasileiros, publicado em 1857. Robert Reid Kalley (1809 – 1888): nascido na Escócia, estudou medicina e em 1838 foi trabalhar como missionário na Ilha da Madeira. Oito anos depois, escapou de violenta perseguição e foi com seus paroquianos para os Estados Unidos. Fletcher sugeriu que fosse para o Brasil, aonde Kalley e sua esposa Sarah Poulton Kalley (1825 – 1907) chegaram em maio de 1855. No mesmo ano, fundaram em Petrópolis a primeira escola dominical permanente do país (19/08/1855). Em 11 de julho de 1858, Kalley fundou a Igreja Evangélica, depois Igreja Evangélica Fluminense (1863), cujo primeiro membro brasileiro foi Pedro Nolasco de Andrade. Kalley teve importante atuação na defesa da liberdade religiosa. Sua esposa foi autora do famoso hinário Salmos e Hinos (1861). Igreja Presbiteriana: missionários pioneiros – Ashbel Green Simonton (1859), Alexander L. Blackford (1860), Francis J.C. Schneider (1861). Primeiras Igrejas: Rio de Janeiro (12/01/1862), São Paulo e Brotas (1865). Imprensa Evangélica (1864), Seminário (1867). Primeiro pastor brasileiro: José Manoel da Conceição (17/12/1865). A Escola Americana foi criada em 1870 e o Sínodo do Brasil surgiu em 1888. Imigrantes americanos: estabeleceram-se no interior de São Paulo após a Guerra Civil americana (1861 – 65). Foram seguidos por missionários presbiterianos, metodistas e batistas. Pioneiros presbiterianos da Igreja do sul dos Estados Unidos (PCUS): George N. Morton e Edward Lane (1869). Fundaram o Colégio Internacional (1873). Igreja Metodista Episcopal (sul dos EUA): enviou Junius E. Newman para trabalhar junto aos imigrantes (1876). O primeiro missionário aos brasileiros foi John James Ransom, que chegou em 1876 e dois anos depois organizou a primeira Igreja no Rio de Janeiro. Martha Hite Watts iniciou uma escola para moças em Piracicaba (1881). A partir de 1880, a I.M.E. do norte dos EUA enviou obreiros ao norte do Brasil (William Taylor, Justus H. Nelson) e ao Rio Grande do Sul. A Conferência Anual Metodista foi organizada em 1886 pelo bispo John C. Granbery, com a presença de apenas três missionários. Igreja Batista: os primeiros missionários, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa (1859 – 61) não foram bem-sucedidos. Em 1871, os imigrantes de Santa Bárbara organizaram duas Igrejas. Os primeiros missionários junto aos brasileiros foram William B. Bagby, Zachary C. Taylor e suas esposas (chegados em 1881 – 82). O primeiro membro e pastor batista brasileiro, foi o ex-padre Antonio Teixeira de Albuquerque, que já estivera ligado aos metodistas. Em 1882 o grupo fundou a primeira Igreja em Salvador, Bahia. A Convenção Batista Brasileira foi criada em 1907. Igreja Protestante Episcopal: última das denominações históricas a iniciar trabalho missionário no Brasil. Um importante e controvertido precursor havia sido Richard Holden (1828 – 1886), que durante três anos (1861 – 64) atuou com poucos resultados no Pará e na Bahia. O trabalho permanente teve início em 1890 com James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving. Inspirados pela obra de Simonton e por um folheto sobre o Brasil, fixaram-se em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, estado até então pouco ocupado por outras missões. Em 1899, Kinsolving tornou-se o primeiro bispo residente da Igreja Episcopal do Brasil. CONCLUSÃO Depois de viajarmos por séculos de História chegamos a conclusão que fica muito claro a atuação do Espírito Santo de Deus em todos os acontecimentos, desde a perseguição dos Jesuítas que não ficou em brancas nuvens, os perseguidores passaram a perseguidos e foram expulsos do Brasil. Uma lei abriu as portas para os missionários retornarem ao nosso país. que atuaram no Brasil, desde os primeiros calvinistas até ao grande trabalho de outros cristãos reformados. Desde o descobrimento do Brasil até hoje, já se passaram 509 anos e os cristãos evangélicos chegaram a terras brasileiras pela primeira vez em 1555, antes desse ano só quem atuou como missionários no Brasil foram os católicos. As perseguições aos missionários que atuavam no Brasil foram tão grandes que em 1646 já não se tinha nem sequer indícios do protestantismo. Depois de mais de cento e cinquenta anos de trevas, em que a chamada santa inquisição proibia a entrada de estrangeiros no Brasil. Finalmente, em 1808 uma nova lei que permitia o comércio entre países amigos abriu novamente o caminho para os missionários voltarem para o Brasil. Vamos viajar na História para compreendermos um pouco do trabalho realizado pelos missionários estrangeiros em terras brasileiras que deram o “pontapé” inicial para que chegássemos em 2018 com mais de 42,3 milhões, ou 22,2% dos brasileiros.   OS PROTESTANTES CHEGARAM AO BRASIL Os primeiros protestantes chegaram ao Brasil ainda no período colonial. Dois grupos são particularmente relevantes: — Os franceses na Guanabara (1555 – 1567): — no final de 1555, chegou à Baía da Guanabara uma expedição francesa comandada pelo vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, para fundar a “França Antártica”. Esse empreendimento teve o apoio do almirante huguenote Gaspard de Coligny, que seria morto no massacre do dia de São Bartolomeu (24/08/1572).Em resposta a uma carta de Villegaignon, Calvino e a Igreja de Genebra enviaram um grupo de crentes reformados, sob a liderança dos pastores Pierre Richier e Guillaume Chartier (1557). Fazia parte do grupo o sapateiro Jean de Léry, que mais tarde estudou na Academia de Genebra e tornou-se pastor († 1611). Ele escreveria um relato da expedição, História de uma Viagem à Terra do Brasil, publicado em Paris em 1578. Em 10 de março de 1557, esses reformados celebraram o primeiro culto evangélico do Brasil e talvez das Américas. Todavia, pouco tempo depois Villegaignon entrou em conflito com as calvinistas acerca dos sacramentos e os expulsou da pequena ilha em que se encontravam. Alguns meses depois, os colonos reformados embarcaram para a França. Quando o navio ameaçou naufragar, cinco deles voltaram e foram presos: — Jean du Bordel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André Lafon e Jacques le Balleur. Pressionados por Villegaignon, escreveram uma bela declaração de suas convicções, a “Confissão de Fé da Guanabara” (1558). Em seguida, os três primeiros foram mortos e Lafon, o único alfaiate da colônia, teve a vida poupada. Balleur fugiu para São Vicente, foi preso e levado para Salvador (1559 – 67), sendo mais tarde enforcado no Rio de Janeiro, quando os últimos franceses foram expulsos. A França Antártica é considerada como a primeira tentativa de estabelecer tanto uma Igreja quanto um trabalho missionário protestante na América Latina. Os holandeses no Nordeste (1630 – 54): — depois de uma árdua guerra contra a Espanha, a Holanda calvinista conquistou a sua independência em 1568 e começou a tornar-se uma das nações mais prósperas da Europa. Pouco tempo depois, Portugal caiu sob o controle da Espanha por sessenta anos – a chamada “União Ibérica” (1580 – 1640).  Em 1621, os holandeses criaram a Companhia das Índias Ocidentais com o objetivo de conquistar e colonizar territórios da Espanha nas Américas, especialmente uma rica região açucareira: — o nordeste do Brasil. Em 1624, os holandeses tomaram Salvador, a capital do Brasil, mas foram expulsos no ano seguinte. Finalmente, em 1630 eles tomaram Recife e Olinda e depois boa parte do Nordeste. O maior líder do Brasil holandês foi o príncipe João Maurício de Nassau–Siegen, que governou o Nordeste de 1637 a 1644. Nassau foi um notável administrador, promoveu a cultura, as artes e as ciências, e concedeu uma boa medida de liberdade religiosa aos residentes católicos e judeus. Sob os holandeses, a Igreja Reformada era oficial. Foram criadas vinte e duas Igrejas locais e congregações, dois presbitérios (Pernambuco e Paraíba) e até mesmo um sínodo, o Sínodo do Brasil (1642 – 1646). Mais de cinquenta pastores ou “predicantes” serviram essas comunidades. A Igreja Reformada realizou uma admirável obra missionária junto aos indígenas. Além de pregação, ensino e beneficência, foi preparado um catecismo na língua nativa. Outros projetos incluíam a tradução da Bíblia e a futura ordenação de pastores indígenas. Em 1654, após quase dez anos de luta, os holandeses foram expulsos, transferindo-se para o Caribe. Os judeus que os acompanhavam foram para Nova Amsterdã, a futura Nova York. BRASIL IMPÉRIO O século XIX testemunhou a implantação definitiva do protestantismo no Brasil. Primeiras manifestações: — Após a expulsão dos holandeses, o Brasil fechou as suas portas aos protestantes por mais de 150 anos. Foi só no início do século XIX, com a vinda da família real portuguesa, que essa situação começou a se alterar. Em 1810, Portugal e Inglaterra firmaram um Tratado de Comércio e Navegação, cujo artigo XII concedeu tolerância religiosa aos imigrantes protestantes. Logo, muitos começaram a chegar, entre eles um bom número de reformados. Depois da independência, a Constituição Imperial (1824) reafirmou esses direitos, com algumas restrições. Em 1827 foi fundada no Rio de Janeiro a Comunidade Protestante Alemão-Francesa, que veio a congregar, ao lado de luteranos, reformados alemães, franceses e suíços. Um dos primeiros pastores presbiterianos a visitar o Brasil foi o Rev. James Cooley Fletcher (1823 – 1901), que aqui chegou em 1851. Fletcher foi capelão dos marinheiros que aportavam no Rio de Janeiro e deu assistência religiosa a imigrantes europeus. Ele manteve contatos com D. Pedro II e outros membros destacados da sociedade; lutou em favor da liberdade religiosa, da emancipação dos escravos e da imigração protestante. Ele escreveu o livro O Brasil e os Brasileiros (1857), que foi muito apreciado nos Estados Unidos. Fletcher não fez nenhum trabalho missionário junto aos brasileiros, mas contribuiu para que isso acontecesse. Foi ele quem influenciou o Rev. Robert Reid Kalley e sua esposa Sarah P. Kalley a vir para o Brasil, o que ocorreu em 1855. Kalley fundou a Igreja Evangélica Fluminense em 1858. No ano seguinte, chegou ao Rio de Janeiro o fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, o Rev. Ashbel G. Simonton. PROTESTANTISMO DE IMIGRAÇÃO “Ao iniciar-se o século XIX, não havia no Brasil vestígio de protestantismo” (B. Ribeiro, Protestantismo no Brasil Monárquico, 15). Em janeiro de 1808, com a chegada da família real, o príncipe-regente João decretou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas. Em novembro, novo decreto concedeu amplos privilégios para os imigrantes de qualquer nacionalidade ou religião. Em fevereiro de 1810, Portugal assinou com a Inglaterra tratados de Aliança e Amizade e de Comércio e Navegação. Este, em seu artigo XII, concedeu aos estrangeiros “perfeita liberdade de consciência” para praticarem sua fé. Tolerância limitada: — proibição de fazer prosélitos e falar contra a religião oficial; capelas sem forma exterior de templo e sem uso de sinos. O primeiro capelão anglicano, Robert C. Crane, chegou em 1816. A primeira capela foi inaugurada no Rio de Janeiro em 26/05/1822; seguiram-se outras nas principais cidades costeiras. Outros estrangeiros protestantes: — americanos, suecos, dinamarqueses, escoceses, franceses e especialmente alemães e suíços de tradição luterana e reformada. “Quando se proclamou a Independência, contudo, ainda não havia igreja protestante no país. Não havia culto protestante em língua portuguesa. E não há notícia de existir, então, sequer um brasileiro protestante” (B. Ribeiro, ibid., 18). Com a independência, houve grande interesse na vida de imigrantes, inclusive protestantes. Constituição Imperial de 1824, art. 5º: — “A religião católica apostólica romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. 1820 – suíços católicos iniciaram a colônia de Nova Friburgo; logo a área foi abandonada e oferecida a alemães luteranos que chegaram em maio de 1824: — um grupo de 324 imigrantes acompanhados do seu pastor, Friedrich Oswald Sauerbronn (1784 – 1864). A maior parte dos imigrantes alemães foi para o sul: — cerca de 4.800 entre 1824 e 1830 (60% protestantes). Primeiros pastores: — Johann Georg Ehlers, Karl Leopold Voges e Friedrich Christian Klingelhöffer. Junho 1827: fundação da Comunidade Protestante Alemã-Francesa do Rio de Janeiro, por iniciativa do cônsul da Prússia Wilhelm Von Theremin. Luteranos e calvinistas. Primeiro pastor: Ludwig Neumann. Primeiro santuário em 1837 (alugado); o edifício próprio foi inaugurado em 1845. Por falta de ministros ordenados, os primeiros luteranos organizaram sua própria vida religiosa. Elegeram leigos para serem pastores e professores, os “pregadores-colonos”. Na década de 1850, a Prússia e a Suíça “descobriram” os alemães do sul do Brasil e começaram a enviar-lhes missionários e ministros. Isso criou uma Igreja mais institucional e européia. Em 1868, o Rev. Hermann Borchard (chegou em 1864) e outros colegas fundaram o Sínodo Evangélico Alemão da Província do Rio Grande do Sul, que foi extinto em 1875. Em 1886, o Rev. Wilhelm Rotermund (chegou em 1874), organizou o Sínodo Rio-Grandense, que se tornou modelo para outras organizações similares. Até o final da Segunda Guerra Mundial as Igrejas luteranas permaneceram culturalmente isoladas da sociedade brasileira. Uma consequência importante da imigração protestante é o fato de que ela ajudou a criar as condições que facilitaram a introdução do protestantismo missionário no Brasil. Erasmo Braga observou que, à medida que os imigrantes alemães exigiam garantias legais de liberdade religiosa, estadistas liberais criaram “a legislação avançada que, durante o longo reinado de D. Pedro II, protegeu as missões evangélicas da perseguição aberta e até mesmo colocou as comunidades não católicas sob a proteção das autoridades imperiais” (The Republic of Brazil, 49). Em 1930, de uma comunidade protestante de 700 mil pessoas no país, as Igrejas imigrantes tinham aproximadamente 300 mil filiados. A maior parte estava ligada à Igreja Evangélica Alemã do Brasil (215 mil) e vivia no Rio Grande do Sul. PROTESTANTISMO MISSIONÁRIO As primeiras organizações protestantes que atuaram junto aos brasileiros foram as sociedades bíblicas: Britânica e Estrangeira (1804) e Americana (1816). Traduções da Bíblia: protestante – Rev. João Ferreira de Almeida (1628 – 1691); católica – Pe. Antonio Pereira de Figueiredo (1725 – 1797). Primeiros agentes oficiais: SBA – James C. Fletcher (1855); SBBE – Richard Corfield (1856). O trabalho dos colportores. A Igreja Metodista Episcopal foi a primeira denominação a iniciar atividades missionárias junto aos brasileiros (1835 – 41). Obreiros: Fountain E. Pitts, Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder. Fundaram no Rio de Janeiro a primeira escola dominical do Brasil. Também atuaram como capelães da Sociedade Americana dos Amigos dos Marinheiros, fundada em 1828.   Daniel P. Kidder: — figura importante dos primórdios do protestantismo brasileiro. Viajou por todo o país, vendeu Bíblias, contactou intelectuais e políticos destacados, como o Pe. Feijó, regente do império (1835 – 37). Escreveu Anotações de Residência e Viagens no Brasil, publicado em 1845, clássico que despertou grande interesse pelo nosso país.            James Cooley Fletcher (1823 – 1901): pastor presbiteriano estudou em Princeton e na Europa, casou-se com uma filha de César Malan, teólogo calvinista de Genebra. Chegaram ao Brasil em 1851, como novo capelão da Sociedade dos Amigos dos Marinheiros e como missionário da União Cristã Americana e Estrangeira. Atuou como secretário interino da legação americana no Rio e foi o primeiro agente oficial da Sociedade Bíblica Americana. Promotor entusiasta do protestantismo e do “progresso”. Escreveu O Brasil e os Brasileiros, publicado em 1857. Robert Reid Kalley (1809 – 1888): nascido na Escócia, estudou medicina e em 1838 foi trabalhar como missionário na Ilha da Madeira. Oito anos depois, escapou de violenta perseguição e foi com seus paroquianos para os Estados Unidos. Fletcher sugeriu que fosse para o Brasil, aonde Kalley e sua esposa Sarah Poulton Kalley (1825 – 1907) chegaram em maio de 1855. No mesmo ano, fundaram em Petrópolis a primeira escola dominical permanente do país (19/08/1855). Em 11 de julho de 1858, Kalley fundou a Igreja Evangélica, depois Igreja Evangélica Fluminense (1863), cujo primeiro membro brasileiro foi Pedro Nolasco de Andrade. Kalley teve importante atuação na defesa da liberdade religiosa. Sua esposa foi autora do famoso hinário Salmos e Hinos (1861). Igreja Presbiteriana: missionários pioneiros – Ashbel Green Simonton (1859), Alexander L. Blackford (1860), Francis J.C. Schneider (1861). Primeiras Igrejas: Rio de Janeiro (12/01/1862), São Paulo e Brotas (1865). Imprensa Evangélica (1864), Seminário (1867). Primeiro pastor brasileiro: José Manoel da Conceição (17/12/1865). A Escola Americana foi criada em 1870 e o Sínodo do Brasil surgiu em 1888. Imigrantes americanos: estabeleceram-se no interior de São Paulo após a Guerra Civil americana (1861 – 65). Foram seguidos por missionários presbiterianos, metodistas e batistas. Pioneiros presbiterianos da Igreja do sul dos Estados Unidos (PCUS): George N. Morton e Edward Lane (1869). Fundaram o Colégio Internacional (1873). Igreja Metodista Episcopal (sul dos EUA): enviou Junius E. Newman para trabalhar junto aos imigrantes (1876). O primeiro missionário aos brasileiros foi John James Ransom, que chegou em 1876 e dois anos depois organizou a primeira Igreja no Rio de Janeiro. Martha Hite Watts iniciou uma escola para moças em Piracicaba (1881). A partir de 1880, a I.M.E. do norte dos EUA enviou obreiros ao norte do Brasil (William Taylor, Justus H. Nelson) e ao Rio Grande do Sul. A Conferência Anual Metodista foi organizada em 1886 pelo bispo John C. Granbery, com a presença de apenas três missionários. Igreja Batista: os primeiros missionários, Thomas Jefferson Bowen e sua esposa (1859 – 61) não foram bem-sucedidos. Em 1871, os imigrantes de Santa Bárbara organizaram duas Igrejas. Os primeiros missionários junto aos brasileiros foram William B. Bagby, Zachary C. Taylor e suas esposas (chegados em 1881 – 82). O primeiro membro e pastor batista brasileiro, foi o ex-padre Antonio Teixeira de Albuquerque, que já estivera ligado aos metodistas. Em 1882 o grupo fundou a primeira Igreja em Salvador, Bahia. A Convenção Batista Brasileira foi criada em 1907. Igreja Protestante Episcopal: última das denominações históricas a iniciar trabalho missionário no Brasil. Um importante e controvertido precursor havia sido Richard Holden (1828 – 1886), que durante três anos (1861 – 64) atuou com poucos resultados no Pará e na Bahia. O trabalho permanente teve início em 1890 com James Watson Morris e Lucien Lee Kinsolving. Inspirados pela obra de Simonton e por um folheto sobre o Brasil, fixaram-se em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, estado até então pouco ocupado por outras missões. Em 1899, Kinsolving tornou-se o primeiro bispo residente da Igreja Episcopal do Brasil. CONCLUSÃO Depois de viajarmos por séculos de História chegamos a conclusão que fica muito claro a atuação do Espírito Santo de Deus em todos os acontecimentos, desde a perseguição dos Jesuítas que não ficou em brancas nuvens, os perseguidores passaram a perseguidos e foram expulsos do Brasil. Uma lei abriu as portas para os missionários retornarem ao nosso país.

sexta-feira, 1 de março de 2013

A papisa Joana, história que a Igreja Romana esconde

As provas da existência da papisa apesar de não ter provas históricas contundentes

Durante muitos séculos a história da papisa Joana havia sido reputada pelo próprio clero como incontestável e, com o andar dos tempos, os ultramontanos, compreendendo o escândalo e o ridículo que o reinado de uma mulher devia lançar sobre a Igreja, trataram de fábula digna do desprezo dos homens esclarecidos, o pontificado dessa mulher célebre. Autores mais justiceiros defenderam, pelo contrário, a reputação de Joana e provaram com testemunhos autênticos que a papisa havia ilustrado o seu reinado com o brilho das suas luzes e com a prática das virtudes cristãs.

O fanático Baronio considera a papisa um monstro que os ateus e os heréticos tinham evocado do inferno por sortilégios e malefícios; o supersticioso Florimundo Raxmond compara Joana a um segundo Hércules que teria sido enviado do céu para esmagar a Igreja Romana, cujas abominações tinham excitado a cólera de Deus.

Contudo, a papisa foi vitoriosamente defendida por um historiador inglês chamado Alexandre Cook; a sua memória foi por ele vingada das calúnias dos seus adversários e o pontificado de Joana retomou o seu lugar na ordem cronológica da história dos papas. As longas disputas dos católicos e dos protestantes acerca desta mulher deram um atrativo poderoso à sua história e somos obrigados a entrar em todos os detalhes de uma existência tão extraordinária.

Eis aqui narrado, de que maneira o jesuíta Labbé, um dos inimigos da papisa, enviou o seu cartel de desafio aos cristãos reformados: “Dou o mais formal desmentido a todos os heréticos da França, da Inglaterra, da Holanda, da Alemanha, da Suíça e de todos os países da Terra para que possam responder com a mais leve aparência de verdade à demonstração cronológica que publiquei contra a fábula que os heterodoxos narraram sobre a papisa Joana, fábula ímpia cujas bases destruí de um modo invencível”. Os protestantes, longe de ficarem intimidados com a imprudência do jesuíta, refutaram vitoriosamente suas alegações, demonstraram todo o edifício das suas astúcias e das suas mentiras e, apesar dos anátemas do padre Labbé, fizeram sair Joana dos espaços imaginários em que o fanatismo a tinha envolvido.

No seu libelo, o padre Labbé acusava João Hus, Jerônimo de Praga, Wiclef, Lutero e Calvino de serem inventores da história da papisa. Porém, provou-se-lhe que, tendo Joana subido à santa sede aproximadamente seis séculos antes da aparição do primeiro desses homens ilustres, era impossível que eles tivessem imaginado essa fábula. De qualquer forma, Mariano, que escreveu sobre a vida da papisa mais de cinqüenta anos antes deles, não poderia tê la copiado de suas obras.

A História, cujas vistas morais se elevam acima dos interesses das seitas religiosas, deve pois ocupar se em fazer triunfar a verdade sem se inquietar com as cóleras sacerdotais. Assim, a existência de Joana não deve ferir de modo algum a dignidade da santa sede, pois ela, no decurso do seu reinado, não imitou as astúcias, as traições e as crueldades dos pontífices do nosso século.

Crónicas contemporâneas estabelecem, com toda a evidência, a época do reinado de Joana. Seus autores, sendo padres e monges, todos zelosos partidários da santa sede, eram interessados em negar a aparição escandalosa de uma mulher no trono de São Pedro. Verdade é que muitos autores do nono século não fazem menção a esta heroína, silêncio que atribui-se com justa razão à barbárie da época e ao embrutecimento do clero.

Uma das provas mais incontestáveis da existência de Joana está exatamente no decreto, publicado pela corte de Roma, que proibiu a sua colocação no catálogo dos papas. “Assim, acrescenta o sensato Launay, não é justo sustentar que o silêncio que se guardou sobre esta história, nos tempos que se seguiram imediatamente ao acontecimento, seja prejudicial à narrativa que mais tarde foi feita.


É verdade que os eclesiásticos contemporâneos de Leão IV e de Bento III, por um zelo exagerado pela religião, não falaram nessa mulher notável; mas os seus sucessores, menos escrupulosos, descobriram afinal o mistério…”.

Mais de um século antes de Mariano escrever os manuscritos que deixou a abadia de Fulde, diferentes autores tinham já narrado muitas versões sobre o pontificado da papisa. Porém, foi este sábio religioso que esclareceu todas as dúvidas e suas crônicas foram aceitas como autênticas pelos eruditos conscienciosos, que estabelecem as verdades históricas sobre os testemunhos de homens cuja probidade e luzes são incontestáveis. E com efeito, toda a gente concorda em reconhecer que Mariano era um escritor judicioso, imparcial e verídico; a sua reputação está tão bem estabelecida que a Inglaterra, a Escócia e a Alemanha reivindicam a honra de serem sua pátria. Além disso, o seu caráter de sacerdote e a dedicação que mostrou sempre pela santa sede não permitem que se suspeite de parcialidade contra a igreja católica.

Mariano, longe de ter sido um ente fraco ou um visionário, era muito esclarecido, muito instruído, cheio de firmeza, de religião e tinha dado provas incontestáveis da dedicação que consagrava à corte de Roma, defendendo com grande coragem o papa Gregório VII contra o imperador Henrique IV. Não é possível, pois, recusar a autoridade de um semelhante testemunho; de outro modo, não existiria um único fato histórico ao abrigo das contestações ou que se pudesse considerar como evidente.

Por esta razão, os jesuítas que têm procurado por em dúvida a existência da papisa, compreendendo a força que os escritos deste historiador davam aos seus adversários, quiseram acusar de inexatidão as cópias das obras de Mariano. Mabillon, sobretudo, defende que existem exemplares nos quais não se trata da papisa. Para refutar esta asserção, basta consultar os manuscritos das principais bibliotecas da Alemanha, da França, de Oxford e do Vaticano. Além disso, está provado que os manuscritos autografados pelo religioso, os quais foram conservados na França, durante muitos séculos na biblioteca do Domo, contém realmente a história da papisa.

É igualmente impossível admitir que um homem do caráter de Mariano Scotus tivesse mencionado nas suas crónicas uma aventura tão singular se não fosse verdadeira. Contudo, admitindo que fosse capaz de uma tal impostura, é provável que os papas que governaram então a Igreja tivessem guardado silêncio sobre tal impiedade? Gregório VII, o mais orgulhoso dos pontífices e o mais apaixonado pela pretensão à infalibilidade da santa sede teria permitido que um frade desonrasse a corte de Roma com tanta insolência? Victor III, Urbano II, Paschoal II, contemporâneos de Mariano, teriam deixado impune esse ultraje? Finalmente, os escritores eclesiásticos do seu século, e sobretudo o célebre Alberic do Monte Cassino, tão dedicado aos papas, teriam deixado de se levantar contra uma tal infâmia?

Assim, segundo os testemunhos mais irrecusáveis e mais autênticos, está demonstrado que a papisa Joana existiu no nono século, que ocupou a cadeira de S. Pedro, que foi o vigário de Jesus Cristo na Terra e proclamada soberana pontífice de Roma!!!

Uma mulher assentada na cadeira dos papas, ornando lhe a fronte a tiara e tendo nas mãos as chaves de S. Pedro é um acontecimento extraordinário de que os faustos da história oferecem um único exemplo! E o que mais nos admira não é o fato de uma mulher elevar-se pelos seus talentos acima de todos os homens do seu século, pois que houve heroínas que comandaram exércitos, governaram impérios, encheram o mundo com a fama da sua glória, da sua sabedoria e das suas virtudes.  mas que Joana, sem exércitos, sem tesouros, somente com o apoio de sua inteligência, fosse assaz hábil para enganar o clero romano e fazer com que lhe beijassem os pés os orgulhosos cardeais da cidade santa. É isso o que a coloca superior a todas as heroínas, porque nenhuma deIas se aproxima do que há de maravilhoso numa mulher ordenada papa.


O nascimento de Joana

Numa vida tão extraordinária como a de Joana devemos mencionar todos os acontecimentos que nos foram transmitidos pelos historiadores e entrar em detalhes nas ações dessa mulher notável.

Eis a versão de Mariano Scotus sobre o nascimento da papisa: “Em princípios do nono século, Karl, o Grande, depois de ter subjugado os saxônios, empreendeu a conversão desses povos ao cristianismo e pediu à Inglaterra padres eruditos que o pudessem auxiliar nos seus projetos. No número de professores que passaram à Alemanha contava-se um padre inglês acompanhado de uma menina que, estando grávida, roubara à sua família para ocultar esse estado. Os dois amantes foram obrigados a interromper a sua viagem e a parar em Mayence, onde em breve a jovem inglesa deu à luz uma filha cujas aventuras deviam ocupar um dia os séculos futuros; essa criança era Joana.”

Não se conhece com exatidão o nome que ela usou na sua infância; a filha do padre inglês é igualmente chamada Agnés por alguns autores. Gerberta ou Gilberta por outros e, finalmente Joana pela maioria . O jesuíta Sevarius pretende que lhe chamem também Isabel, Margarida, Dorotéia e Justa. Não sabemos acerca do sobrenome que ela adotou. Asseguram uns que ela acrescentava ao seu nome a designação de Inglês; querem outros juntá-lo ao nome de Gerberta, e um autor do décimo quarto século chama-lhe de Magnânima na sua crônica, para exprimir certamente a ousadia e a temeridade de Joana, à imitação de Ovídio, que se serve da expressão magnanimus Phaethon.

Esses mesmos autores apresentam menos contradições relativamente ao lugar do seu nascimento: pretendem alguns que ela nascera na Grã Bretanha, outros designam Mayence, outros finalmente Engelkein, cidade do Palatinado, célebre pelo nascimento de Carlos Magno. Mas o maior número reconhece que Joana era de origem inglesa, que foi educada em Mayence e que nasceu em Eugelkein, aldeia situada na vizinhança daquela cidade.

Olivia de Havilland

no filme de 1972: Pope Juan


Os primeiros passos no rumo do trono papal 

Joana tornara se uma formosa rapariga e o seu espírito, cultivado pelos cuidados de um pai muito instruído, tomara um desenvolvimento tal que todos os doutores que se aproximavam dela ficavam admirados pelas suas respostas. A admiração que ela inspirava aumentou ainda pela ciência, e aos doze anos a sua instrução se igualava à dos homens mais distintos do Palatinado. Todavia, quando chegou a idade em que as mulheres começam a amar, a ciência foi insuficiente para satisfazer os desejos daquela imaginação ardente e o amor mudou os destinos de Joana.

Um jovem estudante de família inglesa e frade da abadia de Fulde foi seduzido pela sua beleza e apaixonou-se loucamente por ela. “Se ele a amou com extremo, diz a crónica, Joana, pelo seu lado, não foi nem insensível nem cruel”. Vencida pelos protestos e arrastada pelas inspirações do seu coração, Joana consentiu em fugir da casa paterna com o seu amante. Deixou o seu nome verdadeiro, vestiu-se de homem e seguiu o jovem abade para a abadia de Fulde, onde o superior, enganado com aquele disfarce, recebeu Joana no seu mosteiro e colocou a sob a direção do sábio Raban Maur.

Algum tempo depois, o constrangimento em que se achavam os dois amantes fez lhes tomar a determinação de saírem do convento e irem para a Inglaterra continuar os seus estudos. Em breve se tornaram os maiores eruditos da Grã Bretanha e resolveram visitar novos países a fim de observarem os costumes dos diferentes povos e estudar-lhes as linguas.

Em primeiro lugar visitaram a França, onde Joana, debaixo sempre do hábito monacal, disputou com os doutores franceses e excitou a admiração de personagens célebres da época, como a famosa duquesa de Septimania, Santo Auscario, o frade Bertram e o abade Lopo de Ferrière. Depois dessa primeira viagem os dois amantes empreenderam visitar a Grécia; atravessaram as Gálias e embarcaram em Marselha num navio que os conduziu á capital dos helenos, a antiga Atenas, que era o foco mais ardente das luzes, o centro das ciências e das belas letras, possuindo ainda escolas e academias citadas em todo o universo pela eloquência dos seus professores e pelo profundo saber dos seus astrônomos e dos seus fisicos.

Quando Joana chegou a esse magnífico país tinha vinte anos e achava-se em todo o esplendor da sua beleza. Porém, o hábito monástico ocultava o seu sexo de todos os olhares, e o seu rosto, empalidecido pelas vigílias e pelo trabalho, dava lhe ares de um formoso adolescente ao invés de uma mulher.

Durante dez anos os dois ingleses viveram sob o formoso eco da Grécia, cercados de todas as ilustrações científicas e prosseguindo os seus estudos em filosofia, teologia, letras divinas e humanas, artes e história sagrada e profana. Joana aprofundara, compreendera e explicara tudo, juntando seus conhecimentos universais a uma eloqüência prodigiosa que enchia de admiração aqueles que eram admitidos a ouvi-la.

No meio dos seus triunfos, Joana foi ferida por um golpe terrível: o companheiro dos seus trabalhos, o seu amante querido, aquele que durante muitos anos estivera junto dela, foi atacado por uma enfermidade súbita e morreu em poucas horas, deixando a desditosa só e abandonada na Terra.

Joana tirou do seu próprio desespero uma nova coragem, venceu a sua aflição e resolveu sair da Grécia. Além disso, era-lhe impossível ocultar por mais tempo o seu sexo num país onde os homens usavam barbas crescidas, escolhendo Roma como o lugar de seu retiro, porque lá o uso ordenava aos homens não usarem barba. Talvez não fosse este unicamente o motivo que determinou a sua preferência pela cidade santa, mas o estado de agitação em que se achava então a capital do mundo cristão podia oferecer à sua ambição um teatro mais vasto do que a Grécia.


Reconhecida em Roma como “Príncipe dos sábios” 

Logo que chegou á cidade santa. Joana fez-se admitir na academia a que chamavam escola dos gregos para ensinar as sete artes liberais e, particularmente, a retórica. Santo Agostinho tornara já muito ilustre aquela escola e Joana aumentou-lhe a reputação. Não somente continuou os seus cursos ordinários como também introduziu outros de ciências abstratas que duravam três anos, onde um imenso auditório admirava o seu prodigioso saber. As suas lições, os seus discursos e mesmo os seus improvisos eram feitos com uma eloqüência tão arrebatadora que o jovem professor era citado como o mais belo gênio do século, e que, na sua admiração, os romanos lhe conferiam o título de príncipe dos sábios.

Os senhores, os padres, os monges e sobretudo os doutores honravam-se de serem seus discípulos. “O seu procedimento era tão recomendável como os seus talentos; a modéstia dos seus discursos e das suas maneiras, a regularidade dos seus costumes e sua piedade, como diz Mariano   brilhavam como uma luz aos olhos dos homens. Todos estes exteriores eram uma máscara hipócrita sob a qual Joana ocultava projetos ambiciosos e culpados. Por isso, no tempo em que a saúde vacilante de Leão IV permitia aos padres forjarem intrigas e cabalas, um partido poderoso se declarou por ela e publicou altamente pelas ruas da cidade que só ela era digna de ocupar o trono de S. Pedro.”


A entronização da papisa

E com efeito, depois da morte do papa, os cardeais, os diáconos, o clero e o povo elegeram-na por unanimidade para governar a Igreja de Roma! Joana foi ordenada na presença dos comissários do imperador, na basílica de São Pedro, por três bispos. Em seguida, tendo revestido as vestes pontificais, dirigiu-se acompanhada de um imenso cortejo ao palácio patriarcal e assentou-se na cadeira apostólica.

Por muito tempo os padres discutiram a seguinte e importante questão: Joana foi elevada ao santo ministério por uma arte diabólica ou por uma direção particular da Providência? Uns pretendem que a Igreja deve sentir uma grande humilhação por ter sido governada por uma mulher. Outros sustentam, pelo contrário, que a elevação de Joana à santa sede, longe de ser um escândalo devia ser glorificada como um milagre de Deus, que permitiu que os romanos procedessem à sua eleição para revelar que haviam sido arrastados pela influência maravilhosa do Espírito Santo.


Joana foi elevada à suprema dignidade da Igreja e exerceu a autoridade infalível de vigário de Jesus Cristo com tão grande sabedoria que se tornou a admiração de toda a cristandade. Conferiu ordens sagradas aos prelados, aos padres e aos diáconos; consagrou altares e basílicas; administrou os sacramentos aos fiéis; permitiu aos arcebispos, abades e príncipes que beijassem seus pés; e, finalmente, desempenhou com honra todos os deveres dos pontífices. Compôs prefácios de missas e grande número de canones, os quais foram interditos pelos seus sucessores. Além disso, dirigiu com grande habilidade os negócios políticos da corte de Roma e foi por conselhos seus que o imperador Lotário, já muito velho, decidiu-se a abraçar a vida monástica e retirou-se para a abadia de Prum a fim de fazer penitência dos crimes com que manchou a sua longa carreira. Em favor do novo monge, a papisa concedeu à sua abadia o privilégio de uma prescrição de cem anos, cujo ato é mencionado na coleção de Graciano. O império passou em seguida para Luis II, que recebeu a coroa imperial das mãos de Joana.

Contudo, essa mulher, que inspirava um tão grande respeito aos soberanos da Terra, que subjugava os povos às suas leis, que atraía a veneração do universo inteiro pela superioridade de suas luzes e pela pureza da sua vida, iria em breve quebrar o pedestal da sua grandeza e espantar Roma com o espetáculo de uma queda terrível!

Por amor, perde o trono e a vida

Algumas crónicas religiosas dizem que o ano de 854 foi assinalado por fenômenos milagrosos em todos os países da cristandade. “A terra tremeu em muitos reinos e uma chuva de sangue caiu na cidade de Bresseneu ou Bresnau.

Na França, nuvens de gafanhotos monstruosos, armados de dentes compridos e acerados, devoraram todas as colheitas das províncias que atravessaram; em seguida, impelidos por um vento sul para o mar, entre Havre e Calais, foram todos submergidos, lançando seus restos impuros nas praias, e lançando no ar uma tal infecção que engendrou uma epidemia que matou uma grande parte dos habitantes.

Na Espanha, o corpo de S. Vicente, que fora arrancado do seu túmulo por um frade sacrílego para o vender em pedaços, voltou, em uma noite, na cidade de Valência, para uma pequena aldeia próxima de Montauban e parou nos degraus da Igreja, pedindo em voz alta para se recolher no seu relicário. Todos esses “sinais”, acrescenta o piedoso legendário, “anunciavam infalivelmente a abominação que devia manchar a cadeira evangélica”.

Joana, entregue a estudos sérios, conservava um procedimento exemplar depois da morte de seu amante. No princípio de seu pontificado praticou virtudes que lhe mereceram o respeito e afeição de todos os romanos. Posteriormente, ou por propensão irresistível ou porque a coroa tenha o privilégio de perverter os mais belos caráteres, Joana entregou-se aos gozos do poder soberano e quis partilhá-los com um homem digno do seu amor. Escolheu um amante, assegurou-se da sua discrição, encheu-o de honras e de riquezas, guardando tão bem o segredo de suas relações que só por conjecturas se podia descobrir o favorito da papisa.


Alguns autores pretendem que ele era camareiro; outros asseveram que era conselheiro ou capelão; o maior número afirma que era cardeal de uma igreja de Roma. Todavia, o mistério dos seus amores permaneceria coberto por um véu impenetrável sem a catástrofe terrível que pos termo às suas noites de voluptuosidade. A natureza zombava de todas as previsões dos dois amantes: Joana estava grávida!


Conta-se que um dia, enquanto presidia ao consistório, foi trazido à sua presença um endemoninhado para ser exorcismado. Depois das cerimônias de uso, perguntou ela ao dernônio em que tempo queria ele sair do corpo daquele possesso. O espírito das trevas respondeu imediatamente: “Eu vo-lo direi, quando vós, que sois pontífice e é o pai dos pais, deixardes ver ao clero e ao povo de Roma uma criança nascida de uma papisa”.

Joana, assustada com aquela revelação, apressou-se em terminar o conselho e retirou-se para o seu palácio. No momento em que se recolheu para os seus aposentos interiores, o demônio se apresentou diante dela e lhe disse: “Santíssimo padre, depois do vosso parto, pertencer-me-eis em corpo e alma e apoderar-me-ei de vós para que queimeis comigo no fogo eterno”.

Esta ameaça terrível, ao invés de desesperar a papisa, reanimou o seu espírito e fez nascer no seu coração a esperança de acalmar a cólera divina com um arrependimento profundo. Impôs-se rudes penitências, cingiu seus membros delicados com um cilício grosseiro e dormiu sobre as cinzas. Finalmente, os seus remorsos foram tão ferventes que Deus, tocado das suas lágrimas, enviou-lhe uma visão.

Apareceu-lhe um anjo e ofereceu-lhe como castigo de seu crime, em nome de Jesus Cristo, o seu reconhecimento como mulher diante de todo o povo de Roma, ou a sua entrega às chamas eternas. Joana aceitou o opróbrio e esperou corajosamente o castigo que o seu procedimento sacrílego merecera.

Na época das Rogações, que correspondia à festa anual que os romanos chamavam Ambarralia, onde havia uma procissão solene, a papisa, segundo o uso estabelecido, montou acavalo e dirigiu se à igreja de São Pedro. A papisa, revestida com os ornamentos pontificais, saiu da catedral e dirigiu se à basílica de São João de Latrão com um pomposo séquito que a precedia pela cruz e pelas bandeiras sagradas, e seguida pelos metropolitanos, bispos, cardeais, padres, diáconos, senhores, magistrados e por uma grande multidão do povo.

Tendo chegado à praça pública entre a basílica de São Clemente e o anfiteatro de Domiciano, chamado Coliseu, assaltaram na as dores do parto com tal violência que caiu do cavalo. A infeliz retorcita-se pelo chão com gemidos horríveis, até que, conseguindo rasgar os ornamentos sagrados que a cobriam, no meio de convulsões tremendas e na presença de uma grande multidão, a papisa Joana deu a luz uma criança!


A confusão e a desordem que esta aventura escandalosa causou entre o povo exasperou a tal ponto os padres que estes impediram que a socorressem e, sem consideração pelos sofrimentos atrozes que a torturavam, cercaram-na para ocultá-la de todos os olhares e ameaçaram-na com a sua vingança.

Joana não pôde suportar o excesso de sua humilhação e a vergonha de ter sido vista por todo o povo numa situação tão terrível. Fez, assim, um esforço supremo para dizer o último adeus ao cardeal que a amparava nos braços, e a sua alma voou para o céu.

Desta forma, morreu a papisa Joana, no dia das Rogações, em 855. depois de ter governado a igreja de Roma durante mais de dois anos.


A criança foi sufocada pelos padres que cercavam a mãe, mas os romanos, em memória do respeito e da dedicação que durante tanto tempo haviam consagrado a Joana, consentiram em prestar-lhe os últimos deveres e, sem pompa, colocaram o cadáver da criança no seu túmulo. Joana foi enterrada no mesmo lugar onde sucedera aquele trágico acontecimento.

Ali se edificou uma capela, ornada com uma estátua de mármore representando a papisa vestida com hábitos sacerdotais, com a tiara na cabeça, tendo nos braços uma criança. O pontífice Bento III mandou quebrar essa estátua em fins do seu reinado, mas as ruínas da capela viam-se ainda em Roma no décimo quinto século.

Grande número de visionários preocupavam-se gravemente em investigar o castigo que Deus infligiria à papisa depois de sua morte. Uns consideravam a ignomínia dos seus últimos momentos como uma expiação suficiente, o que estava de acordo com a opinião vulgar de que os papas, quaisquer que fossem os seus crimes, não podiam ser condenados. Outros, menos indulgentes que os primeiros, afirmavam que Joana foi condenada por toda a eternidade a ficor suspensa de um dos lados das portas do inferno, com o seu amante do outro, sem nunca poderem se unir.

A prova da cadeira furada

O clero de Roma, ferido na sua dignidade e cheio de vergonha por aquele acontecimento singular, publicou um decreto proibindo aos pontífices atravessarem a praça pública onde tivera lugar o escândalo. Por isso, depois dessa época, no dia das Rogações, a procissão, que devia partir da basílica de São Pedro para se dirigir a Igreja de São João de Latrão, evitava aquele lugar abominável situado no meio do seu caminho, e fazia um longo roteiro.

Estas precauções eram suficientes para manchar a memória da papisa. Porém, o clero, querendo impedir que um semelhante escândalo pudesse renovar-se, imaginou para a entronização dos papas um uso singular e apropriado à circunstância, o qual leve o nome de “a prova da cadeira furada”.

O sucessor de Joana foi o primeiro a se submeter a essa prova, que passou a ser realizada na eleição do pontífice, no momento em que era conduzido ao palácio de Latrão para ser consagrado solenemente. Em primeiro lugar, este assentava se numa cadeira de mármore branco colocada no pórtico da igreja, entre as duas portas de honra; essa cadeira não era furada, e deram lhe esse nome porque o santo padre, ao levantar se dela entoava o seguinte versículo do salmo cento e treze: “Deus eleva do pó o humilde para o fazer assentar acima dos príncipes!”

Em seguida, os grandes dignitários da igreja davam a mão ao papa e conduziam-no á capela de São Silvestre, onde se achava uma outra cadeira de pórfiro, furada no centro, na qual faziam assentar o potitítïce.


Os primeiros historiadores eclesiásticos nunca fizeram menção de uma só cadeira daquela natureza, enquanto os oronistas mais estimados sempre falam em duas cadeiras furadas que designam como sendo do mesmo tamanho, de forma semelhante, ambas de um estilo muito antigo, sem ornatos nem almofadas.

Antes da consagração, os bispos e os cardeais faziam colocar o papa sobre essa segunda cadeira, meio estendido, com as pernas separadas, e permanecia exposto nessa posição, com os hábitos pontífices entreabertos, para mostrar aos assistentes as provas da sua virilidade. Finalmente, aproxiniavam-se dele dois diáconos, asseguravam-se pelo tato de que os olhos não eram iludidos por aparências enganadoras e davam disso testemunho aos assistentes gritando com voz alla: “Temos um papa!”.


A assembléia respondia: “Deo gratias”, em sinal de reconheciniento e alegria. Então os padres vinham prostrar se diante do pontífice, levantavam-no da cadeira, cingiam-lhe os rins com um cinto de seda, beijavam-lhe os pés e procediam a entronização. A cerimônia terminava sempre com um esplêndido festim e distribuição de dinheiro aos frades e às religiosas.

Essa cerimônia das cadeiras furadas é mencionada na consagração de Honorio III, em 1061; na de Pascoal II, em 1099; na de Urbario VI, eleito no ano de 1378. Alexandre VI, reconhecido publicamente em Roma como pai dos cinco filhos de Rosa Vanozza, sua amante, foi submetido à mesma prova. Finalmente ela subsistiu até o décimo sexto século, e Cressus, mestre de cerimónias de Leão X, refere no jornal de Paris todas as formalidades da prova das cadeiras furadas a que o pontífice foi submetido.

Depois de Leão X, deixou ela de ser praticada, ou porque os padres compreenderam o ridículo de um uso tão inconveniente, ou porque as luzes do século não permitiram mais um espetáculo que ofendia a moral pública. As cadeiras furadas, que não eram mais necessárias, foram tiradas do lugar onde estavam colocadas e levadas para a galeria que conduz à capela, no palácio de Latrão. O padre Mabillori, na sua viagem à Itália em 1685, fez uma descrição dessas duas cadeiras, que examinou com a maior atenção, e afirma que eram de porfiro e semelhantes, na forma, a uma cadeira para enfermos.

Excluída da sucessão dos papas

Os ultramontanos, confundidos pelos documentos autênticos da história e não podendo negar a existência da papisa Joana, consideraram toda a duração do seu pontificado como uma vagatura da santa sede e fazem suceder a Leão IV o papa Bento III, sob o pretexto de que uma mulher não pode desempenhar as funções sacerdotais, administrar os sacramentos e também conferir ordens sagradas. Mais de trinta autores eclesiásticos alegam este motivo para não incluirem Joana no número dos papas; mas um fato essencialmente notável vem dar um desmentido formal à sua opinião.

Catedral de Sienna


Em meados do décimo quinto século, tendo sido restaurada a catedral de Sienna por ordem do príncipe, mandou-se esculturar em mármore os bustos de todos os papas até o Pio II, que reinava então, e colocou-se no lugar da papisa o seu próprio retrato, entre Leão IX e Bento III, com o nome de “João VIII, papa mulher”. Este fato importante autorizaria a contar Joana como o centésimo oitavo pontífice que teria ornado a Igreja. Contudo nem por isso fica menos provado que o reinado da papisa é autêntico e que uma mulher ocupou gloriosaniente a cadeira sagrada dos pontífices de Roma.

Alguns neo católicos rejeitariam ainda a verdade e recusam admitir a autenticidade de todas essas provas, sob o pretexto de que Deus não poderia permitir que a cadeira de S. Pedro, fundada pelo próprio Jesus, fosse assim ocupada por uma mulher impúdica.


Mas então perguntaremos como é que Deus pode sofrer as profanações sacrílegas e as abominações dos bispos de Roma! Não permitiu o Cristo que a santa sede fosse manchada por papas heréticos, apóstatas, incestuosos e assassinos? Não era ariano São Clemente; Anastácio, nestoriano; Honório, monotelita; João XXIII, ateu; e Silvestre II não dizia que vendera a sua alma ao demônio para ser papa?

Barônio, esse defensor zeloso da tiara, diz que Bonifácio VI e Estevão VII eram celerados infames, monstros abomináveis que encheram a casa de Deus com os seus crimes, acusando-os de terem excedido em tudo quanto os mais cruéis perseguidores da igreja fizeram sofrer seus fiéis.


Genebrando, arcebispo de Aix, afirma que aproximadamente em dois séculos a santa sede foi ocupada por papas de um desregramento tão espantoso que eram dignos de serem chamados apostáticos e não apostólicos. E acrescenta que quando as mulheres governavam a Itália a cadeira pontifical se transformara numa roca. Com efeito, as cortesãs Teodora e Marozia, monstros de lubricidade, dispunham segundo o seu capricho do lugar do vigário de Jesus Cristo, colocando no trono de São Pedro os seus amantes ou seus bastardos. Referem-se os cronistas a fatos tão singulares e monstruosos ligados a essas mulheres narrando deboches tão revoltantes que impossível se faz traduzi-los para a nossa história.

Deste modo, visto que a clemência de Deus tolerou todas essas abominações na santa sede, pode, assim, igualmente permitir o reinado de uma papisa.

Outras mulheres em hábitos sacerdotais

Além disso, Joana não é nem a primeira e nem a única mulher que vestiu o hábito sacerdotal; Santa Tecla, disfarçada em trajes eclesiásticos, acompanha São Paulo em todas as viagens; uma cortesã chamada Margarida disfarçou-se de padre e entrou para um convento de homens, onde tomou o nome de frei Pelâgio; Eugênia. filha do célebre Felipe, governador de Alexandria no reinado do imperador Galiano. dirigia um convento de frades e não descobriu o seu sexo senão para se desculpar de uma acusação de sedução que lhe fora intentada por uma rapariga.

A crônica da Lombardia, composta por um monge de Monte Cassino, refere igualmente, segundo um padre chamado Heremberto, que escrevia trinta anos depois da morte de Leão IV, a história de uma mulher que fora patriarca de Constantinopla.


“Um príncipe de Benevente, chamado Arechiso, diz que teve uma revelação divina na qual um anjo o advertiu que o patriarca que ocupava então a sede de Constantinopla era uma mulher. O principe apressou se em instruir o imperador Basilio e o falso patriarca, depois de ter sido despojado de todas as suas vestes diante do clero de Santa Sofia, foi reconhecido como mulher, expulso vergonhosamente da igreja e encerrado num convento de religiosas”.

Depois da narração de todos esses fatos, que foram conservados nas legendas para edificação dos fiéis, não deveriam confessar os padres que Deus permitiu o pontificado da papisa para abaixar o orgulho da santa sede e para mostrar que os vigários do Cristo não são infalíveis?

Além disso, a história de Joana não se aproxima da historia da Virgem Maria? A mãe do Cristo não deu à luz sem deixar de ser virgem e não governou sobre o próprio Deus, pois não diz a Escritura que “Jesus Cristo era submisso a sua mãe”?

Se, pois, o criador de todas as coisas não desdenhou obedecer a uma mulher, por que razão queriam ser os seus ministros mais orgulhosos do que Deus todo poderoso e recusarem curvar a fronte diante da papisa?

Além disso, ao sétimo século os fiéis tinham reconhecido sacerdotisas, pois os atos do concilio de Calcedônia dizem formalmente que as mulheres podiam receber as ordens do sacerdócio e serem sagradas solenemente como os leigos. São Clemente, sucessor imediato dos apóstolos de Jesus, fala detalhadamente numa epístola sobre as funções das sacerdotisas; diz que devem celebrar os santos mistérios, pregar o Evangelho aos homens e as mulheres e aptas para os ungir em todo o corpo, na cerimônia do batismo.

Atton, bispo de Verceìl, refere nas suas obras que as sacerdotisas, na igreja primitiva, presidiam nos templos, faziam instruções religiosas e filosóficas e que tinham debaixo das suas ordens diaconisas que as serviam, como os diáconos faziam aos padres. Santo Atanásio, bispo de Alexandria, e São Cipriano explicam mais detaIhadamente ainda acerca dessas mulheres; queixam-se de que muitas dentre elas, afastando-se das suas regras que lhes eram impostas, praticavam a garridice, empregavam os enfeites e os ornatos, pintavam o rosto, não tinham nem reserva nem pudor nas suas palavras, freqüentavam os banhos públicos e banhavam se completamente nuas, junto com padres e jovens diáconos.

Não era, pois, um fato novo para a Igreja a elevação de uma mulher ao sacerdócio quando apareceu a papisa Joana: muitas outras mulheres antes dela haviam sido consagradas sacerdotisas, recebido o dom do Espírito Santo e exercido as funções eclesiásticas. Por que razão procuram os adoradores da púrpura romana contestar a exatidão desses fatos historicos e irrecusáveis? Por que querem aniquilar até a própria recordação da existência de uma mulher célebre? A razão é simples: a majestade do sacerdócio, a infalibilidade pontifical, as pretensões da santa sede à dominação universal, todo esse edifício de superstição e de idolatrias sobre as quais esta colocada a cadeira de São Pedro desaba diante de uma mulher papisa!!!!


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       Do livro “Os crimes dos papas”, de Maurice de Lachatre, 1853.