A literatura poética é uma vertente da literatura judaico-cristã que será levada em conta neste presente estudo. Podemos definir a poesia como a arte de escrever em verso, de maneira que se traduza as emoções e os sentimentos em palavras. Todavia, a poesia hebraica não possui as mesmas características da poesia ocidental renascentista, extremamente preocupada com a rima e quantidade de palavras por versos. Segundo LaSor “a poesia hebraica apela mais à imaginação e à emoção humana que a razão”1 Vejamos o que diz por exemplo o Salmista:
Ó Deus, tu és, o meu Deus,
eu te busco ansiosamente;
a minha alma tem sede de ti,
o meu corpo te deseja muito
em uma terra seca e casada,
Onde não há água
(Sl 63.1)
O salmista compara o seu anseio e busca por Deus ao deserto que anseia pela chuva. Podemos dizer que o hebreu pensa e raciocina com os sentimentos sempre trazendo a idéia do abstrato a partir do concreto. Assim, o hebreu utiliza a linguagem figurada para expressar seus sentimentos, tais como alegria, choro, lamento, júbilo mediante a poesia que fala à mente por meio do coração.
Definição da área de trabalho
Não dispomos no Antigo Testamento de uma coletânea completa dos escritos poéticos dos hebreus, temos apenas alguns de significação religiosa que foram inseridos no cânon, todavia, outros não. O texto de I Rs 4.32 afirma que Salomão “pronunciou três mil sentenças e compôs mil e cinco poemas” (Bíblia de Jerusalém). No entanto, da perspectiva canônica protestante, chegaram até nós apenas o livro de Provérbios, Eclesiastes e Cânticos dos Cânticos de sua autoria. O cânon católico, determinado pelo Concílio de Trento (1545-1563) acrescentou os deutero-canônicos (apócrifos) Eclesiástico e Sabedoria.
Tradicionalmente, falamos de Salmos e de Cânticos dos Cânticos como os livros de poesia bíblica, e de Jó, Provérbios e Eclesiastes como sabedoria bíblica. Esses livros realmente são o centro dessas divisões, mas outros livros do AT, apresentam em si, literatura de cunho sapiencial e poético (Gn 31.27; Sl 137.3; Nm 21.17,18; Is 9.3; 16.10; Jr 7.34; II Sm 1.19-27; 3.33-34). Segundo Young, os livros de Jó, Salmos e Provérbios eram designados por uma sigla mneumônica: “Livros de Emeth (verdade)”, uma vez que o termo `emeth se compunha da primeira letra dos nomes de cada um dos livros poéticos, ou seja, `iov, meshallim, tehillim (Jó, Provérbios, e Salmos).2
Esses cinco livros mais tarde foram divididos pelos judeus em dois grupos denominados de livros de: a) Sabedoria”-Jó, Provérbios, e Eclesiastes; b) Poesia - Salmos e Cânticos dos Cânticos.
Para fins didáticos, estudaremos de maneira geral as características da poesia hebraica, e logo após trabalharemos a sabedoria proverbial e especulativa vista em Provérbios, Jó e Eclesiastes, bem como a poesia hínica propriamente dita nos Salmos e Cânticos dos Cânticos.
Classificação da literatura poética
Segundo o Novo dicionário da Bíblia,3 podemos afirmar que a poesia hebraica pode ser denominada poesia lírica. Era acompanhada quase sempre por musica instrumental (Is 23.16; I Cr 25.6) Entre os termos empregados para as composições poéticas podemos alistar: shir (com ou sem instrumento acompanhante); mizmôr, ´salmo´ou ´hino´ (com instrumentos); qinâ, ´elegia´ ou ´lamento´; tehillâ, ´hino de louvor´; mashal, em adição a seu significado mais usual, de provérbio, é um cântico satírico.
Segundo Ellisen,4classificaremos a poesia hebraica mediante suas características literárias marcantes:
- Drama poético-uma série de cenas apresentadas principalmente em formato de verso (Jó);
- Versos líricos poéticos-preparados para serem cantados ou salmodiados, mediando entre a ´descrição´ da epopéia e a ´apresentação´ do drama (Salmos-essa literatura apresenta a maioria dos tipos de poesia lírica: odes, cânticos, elegias, intercessões, monólogos, visões e rituais);
- Didática poética-verso poético destinado a ensinar. 1.Didática prática: Provérbios; 2. Didática filosófica-Eclesiastes;
- Idílios poéticos-cenas campestres ou pastoris em forma de verso-Cânticos dos Cânticos;
- Elegias poéticas-Lamentações
O desenvolvimento da poesia lírica e da sabedoria no oriente
A poesia lírica
Segundo Sellin e Fohher a história e o desenvolvimento da poesia lírica no Antigo Oriente se dá em torno da Mesopotâmia, do Egito e do resto do Antigo Oriente.5 A existência do cântico em Israel é apenas um setor do lirismo poético do Oriente Antigo.
Na Mesopotâmia
Na Mesopotâmia o tipo sumério-babilônico dessa poesia começa ao menos tardar por volta de meados de 3.000 e se estende até 1600 a.C. A partir de 1300 a.C. segue-se um tipo “purificado” e estruturado de cânones, cujas lembranças se estendem até os selêucidas. Foram conservados apenas textos sacrais e religiosos, e em particular hinos, cânticos penitenciais e lamentações, e mais recentemente poesias ligadas à vida quotidiana, por cuja transmissão parece ter havido pouco interesse.
Os hinos podem ser divididos em quatro grupos: hinos de glorificação dos deuses (entre os quais aqueles elaborados na primeira pessoa do singular e particularmente colocados na boca da deusa Ishtar); hinos de louvor ao rei (na maioria das vezes um hino de louvor a si mesmo); cânticos de louvor às divindades, pontilhados de expressões de bênçãos e de orações em favor dos reis; e glorificação de templos sumerianos. Os cânticos penitenciais e de lamentações (sem falar das lamentações pela ruína de cidades e das cidades-estados sumerianos) constituem na maioria das vezes, liturgias sacramentais ligadas aos ritos de expiação e contêm lamentações contra a doença e o sofrimento e por vezes também uma confissão de pecados, logo seguida de um pedido de cura e de libertação dos pecados. Em sentido mais amplo, deste grupo fazem parte as orações pronunciadas por ocasião do exame das vítimas sacrificiais, bem como as orações na intenção do rei, e os encantamentos em tom de súplica, acompanhados de um pedido pessoal que, depois de uma invocação à em forma de hino, e de um louvor, apresentam a queixa, o pedido propriamente dito, e as palavras de gratidão e bênçãos. Além disso, desenvolveu-se também uma forma literária de cântico de amor ligado ao culto, que só foi preservado de maneira fragmentada, e amiúde quase não se entende, ou somente com dificuldade. Esse estilo literário pode estar relacionado com o amor entre os deuses ou com as núpcias sagradas; pode glorificar a beleza e os encantos do ser bem-amado, ou lamentar sua perda. Descobertas recentes de cânticos fúnebres apresentam um homem que lamenta a morte de seu pai ou esposa.
De maneira particular os hinos e as lamentações apresentam uma estrutura bastante semelhante. A quase toda a diversidade de divindades foram consagrados os mesmos adjetivos laudatórios e dirigidos os mesmos pedidos e agradecimentos, sem diferenças notáveis uns dos outros. A poesia babilônica de época mais recente parece menos formal, mas tende a cair no extremo preciosismo, e para isso contribuiu o acróstico, que compõe um dito religioso ou o nome de um rei, mediante adjetivos laudatórios. Mas encontramos igualmente versos de profunda beleza poética, que ecoam uma vida piedosa pessoal e a profunda consciência da sua própria culpa, acompanhada de igual arrependimento.
Os sumerianos haviam classificado seus cânticos, com base em determinada execução musical em: Cânticos para a lira (cânticos de louvor); cânticos para os címbalos (cânticos às divindades); cânticos longos, e cânticos aos heróis etc. Em épocas mais recentes se fala em cânticos de elevação das mãos, acompanhados de ensalmos para a libertação da doença e de um infortúnio, e o cântico de tranqüilização do coração, para aplacar a ira dos deuses.
Da poesia lírica talvez fizessem parte também o poema composto por encomenda do rei sumeriano Tukultininurta I (1234-1197 a.C.), sobre as relações existentes entre Assur e a Babilônia cassita nos séculos XIV-XIII a.C., o cântico da exaltação da batalha de um rei assírio (talvez Tiglate Peleser I) contra Murattash, composto sob a forma de um cântico de caçada, e ainda o poema insultuoso contra Nabonido, o último rei Babilônico.
No Egito
No Egito, pouco se conservou sobre a poesia lírica mais antiga. Suas características parecem veladas a nós porque a pronúncia e o ritmo não foram conservados. Contudo, a poesia era constituída precisamente com base na sonoridade das palavras e sua forma interior repousava na sintonia das palavras entre si. Em todo caso, pode-se dizer que procurava para cada objeto da experiência uma forma de expressão que fixava seu conteúdo em essência, e que foi nesta forma que se inspirou pouco a pouco a maneira de se expressar as idéias, os sentimentos da alma e as disposições íntimas. Somente no Reino Novo (1546-1085 a.C.) é que apareceu um novo tipo de poesia que já não parte do objeto, mas do sujeito da experiência (principalmente a poesia amorosa).
O estilo literário mais importante é a do hino às divindades e aos reis. Os hinos às divindades provêm evidentemente da esfera cultual e começa, sob forma litânica,6 por atribuir à divindade os lugares, os sítios sagrados e os objetos de culto que foram palco de determinado acontecimento mítico, de modo que esse tipo de hino em sua origem constava apenas de enumerações. Aos poucos, como na Mesopotâmia, foram acrescentados adjetivos de louvor a esses cânticos. As invocações às coroas reais também são achadas em sua relação com o culto, e de modo particular o cântico matinal com o qual se saudava a divindade quando se entrava pela manhã no templo, como também o rei no palácio ao seu despertar. Surgiram também outros hinos onde são relatados os mitos inter-relacionados, ou se encontram aqueles tons que chegam até ao coração, como o hino a Amom, o qual descreve o deus como o criador do mundo e de todos os viventes, como sua figura resplandecente e seus feitos míticos. São, sobretudo os hinos dedicados ao sol, entre os quais o hino de Amenófis IV, que se contam entre os textos mais precisos da poética egípcia.
A respeito do hino dedicado ao rei, tinha como fonte o hino dedicado aos deuses. Isso porque o costume da corte era que somente podia-se dirigir aos reis através de um hino. Também os adjetivos laudatórios foram tirados dos hinos aos deuses. Além dos louvores dos poetas cortesãos que na época de Ramsés lutavam entre si em se sobressair uns aos outros na glorificação das vitórias e dos feitos dos reis, encontram-se também honrarias ao poder real sob forma de louvor de si mesmo ou da troca de discurso entre a divindade e o rei.
Ao lado disso, havia também o cântico de lamento e os lamentos fúnebres, durante os quais o cântico de lamento prescrito para o ritual funerário do culto de Osíris, dava oportunidade para a narração do mito e ainda certos cânticos que têm relação com os gêneros mencionados, na medida em que eram cantados ou recitados durante os banquetes que se celebravam sobre os túmulos. Acrescentem-se aqui os cânticos de trabalho, referentes a diversas profissões, e originárias de antiga época, como ainda numerosos cânticos de amor do Reino Novo, geralmente encontrado em coleções. Nesses últimos percebe-se a utilização de números ou de nomes de flores para fazer a ligação de jogos de palavras, faziam as plantas do jardim falarem, ou escolhiam pássaros e sua captura nos canaviais como temas principais. Contrária a poesia antiga, nesses cânticos a escolha do tema fundamental substitui o fato da experiência por uma ligação jocosa com um acontecimento momentâneo, servindo-se da descrição de circunstâncias externas para caracterizar as disposições internas do sujeito da experiência. Dessa maneira, na poesia egípcia a subjetividade começava a se contrapor à objetividade da poesia antiga.
No resto do Oriente e na Palestina
A poesia lírica no resto do Oriente segue os mesmos moldes da Mesopotâmia e do Egito, embora conservada em proporções menores. Na poesia popular hitita7 postulou-se a chamada pequena canção do soldado que se lê em um texto hitita antigo. Além desse, encontram-se hinos e orações que podem ser considerados, em parte, como criações literárias propriamente ditas, destacando-se pela interioridade e profundidade das idéias.
Entre os cananeus existiam cânticos cultuais e de outros gêneros, embora muito pouco tenha sido encontrado até agora entre os textos ugaríticos. Provavelmente os hinos, os cânticos de lamentos e os cânticos sacrificiais deviam figurar em primeira linha. Que esses cânticos tenham sido utilizados é o que nos demonstra o ritual estabelecido para um dia de sacrifícios penitenciais e de expiação a serem celebrados por ocasião do infortúnio político. De modo geral, pode-se entender que existe seguramente uma linha poética comum para todo o mundo cananeu ou sírio-palestinense, havendo apenas diferenças pequenas em razão da geografia, da diversidade de épocas e das várias influências estrangeiras.
Foi nesse meio da poesia lírica do Oriente, e mais especificamente no solo da poesia cananéia que o lirismo poéticos israelita se desenvolveu. Chamou-se particularmente a atenção para o estreito paralelismo que existem entre os cânticos de lamentação mesopotâmicos e os salmos de lamentação dos hebreus, entre o hino de Amenófis IV em louvor ao deus sol e o Sl 104 [105], bem como entre a poesia cananéia e o salmo 29 [28]. Além dos paralelismos formais, o conteúdo da poesia lírica dos hebreus no AT sofreu a influência da religião cananéia, apesar da fé em Javé e da concepção particular de Deus e sua existência serem os elementos predominantes nessa poesia. Sellin e Fohher citando Hempel, dizem que em resumo, a poesia lírica no AT, e particularmente nos Salmos refletem três elementos principais: a) a progressiva interiorização religiosa, que substitui os bens desse mundo por bens puramente religiosos, e, sobretudo o perdão dos pecados; b) a superação do ritual mágico e da destinação mágica dos próprios cânticos dedicados a Deus, superação que vê Javé agindo no sofrimento humano, e não mais um exército de demônios e de feiticeiros; e c) a concepção religiosa de todas as afirmações acerca do mundo ultraterreno exclusivamente sobre a figura de Javé enquanto Deus do povo e do indivíduo.
A literatura de sabedoria
Dá-se o nome de livros de sabedoria (ou sapienciais) no cânon protestante à Jó, Provérbios e Eclesiastes. O cânon católico acrescenta o livro de Eclesiástico, Sabedoria; em Tobias e Baruc ocorre alguma corrente desse pensamento.
Essa literatura de sabedoria floresceu como uma ramificação da poesia hebraica, também no Oriente Médio. Ao longo de sua história o Egito produziu escritos de sabedoria. Na Mesopotâmia, desde a época dos sumérios, foram compostos provérbios, fábulas, poemas sobre o sofrimento, que se assemelham ao livro de Jó. Essa sabedoria penetrou em Canaã. Foram encontrados em Ras Shamra (Ugarite) textos de sabedoria escritos em acádio. Dos ambientes de língua aramaica procede a sabedoria de Aicar, de origem assíria e traduzida em diversas línguas antigas. Essa sabedoria é internacional, profana e tem pouca preocupação com o fator religioso. Esclarece o destino dos indivíduos, mas não por uma reflexão filosófica como faziam os gregos, mas colhendo os frutos da experiência. É uma arte de viver bem e um sinal de boa educação. Ensina o homem a se conformar à ordem do universo e deveria dar-lhe os meios de ser feliz e prosperar. Mas nem sempre isso acontece e essa experiência justifica o pessimismo de certas obras de sabedoria, tanto no Egito como na Mesopotâmia.
Essa sabedoria foi conhecida pelo povo de Israel. Segundo Ellisen “parece ter havido uma importante classe ou escola de homens de letrados no antigo Israel chamados de ‘homens sábios’ [...] Davi referiu-se à sabedoria dos antigos (I Sm 24.13), e nas escolas de Samuel não há dúvida que as obras desses sábios foram estudadas com a Torá.”8 O texto de I Rs 4.30 diz que “era a sabedoria de Salomão maior do que a de todos os do Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios.” Os sábios árabes e edomitas eram afamados (Jr 49.7; Br 2.33-23; Ab 8). Jó e seus três amigos vivem em Edom. O autor de Tobias conhecia a sabedoria de Aicar e Pv 22.17-23.11 tem estreita relação com as máximas proverbiais de Amenomepé. Diversos salmos são atribuídos a Hemã e a Etã, que são sábios de Canaã segundo I Rs 5.11. O livro de provérbios contém as palavras de Agur (Pv 30.1-14) e as palavras de Lemuel (Pv 31.1-9), ambos originários de Massá, tribo ao norte da Arábia (Gn 25.14).9 Entretanto, todas essas afirmações serão apresentadas m relação às suas criticas, sendo que buscaremos o posicionamento mais bíblico e coerente com o bom senso. Mesmo diante disso, algumas coisas ficarão em aberto tendo uma ou mais respostas como possibilidade.
Características da poesia hebraica
Segundo Bucland “é provável que nos tempos mais antigos, quando a história e a doutrina, e mesmo as regras do ritual e da moral, principiaram a ser transmitidas, fosse usada a poesia como meio de impressionar a alma.”10 Assim o que temos em mãos no tocante à poesia hebraica diz respeito, mais ou menos diretamente, à comunhão da alma individual com Deus ou da íntima relação entre Deus e a nação. É difícil saber de qual dos dois aspectos um texto poético está falando, pois o “eu individual” do escritor pode representar a alma da nação, dirigindo-se a Deus.
Toda linguagem e expressão poética possuem rima, ritmo e expressão figurativa. Segundo Stanley A Ellisen
a rima é o dispositivo literário de sons harmoniosos, desenvolvendo o ritmo pela ocorrência regular de terminações sonoras semelhantes [...] Ritmo é a regularidade do movimento em composição literária, desenvolvida pela recorrência da batida, pausa ou acento [...] A linguagem figurativa [...] faz analogias ou comparações por figuras de pensamento [...]11
Apesar disso, o Novo Dicionário da Bíblia diz que “é geralmente aceito que a métrica, conforme entendemos, está ausente da poesia hebraica. Nada existe que corresponda a uma unidade de medida métrica, (o pé), quer no tocante à quantidade de vogais quer no tocante à formação de acentos.”12 Nesse mesmo aspecto Clyde F. Francisco declara que
a poesia hebraica tem dois característicos distintos: a de tônica acentuada e a de paralelismo13 [...] Os versos usuais três tônicas e às vezes 2 ou 4. Como os poetas gregos e ingleses, os hebreus consideravam apenas as silabas tônicas, ao compor uma linha de verso, permitindo a inserção de três e até quatro silabas atônicas entre as tônicas. As linhas soltas são enfeixadas e conhecidas como paralelismo, que é mais um ritmo de que mesmo um gênero da forma que apresentam.14
Segundo Clyde T. Francisco, a unidade da poesia hebraica é a linha15 e as duas linhas normalmente constituem um verso (dístico), embora haja trísticos (três linhas), tetrásticos (quatro linhas) e até pentásticos (cinco linhas).16
Apesar de haver essa questão da silaba tônica, ela não é uniforme de maneira a estabelecer um padrão. Além do mais, a poesia hebraica enfatiza mais o “ritmo da idéia” do que o “ritmo do som”, pois a mente oriental está mais interessada no conteúdo da idéia do que nos meros artifícios literários, afirma Ellisen.17
O paralelismo hebraico
Em tempos hodiernos, o primeiro trabalho sistemático sobre paralelismo hebraico foi feito pelo Bispo inglês Robert Lowth na sua obra De Sacra Poesi Hebaeorum Praelectiones Academiae (Preleções sobre a Poesia Sacra dos Hebreus), publicada em 1753. Nesta obra ele publicou os três tipos básicos de paralelismo: sinônimo, antitético e sintético. No entanto, neste estudo veremos alguns outros que são de alguma importância.
Segundo LaSor, a dinâmica do paralelismo parece derivar de alguns fatores: 18
- Aspecto gramatical: relaciona-se com itens gramaticais como tempos verbais e casos de substantivos diferindo ao invés de repetir a mesma estrutura. Por exemplo, em Gn 27 e 29, observe como os verbos diferem (imperativo vs. jussivo) e como o sujeito de uma linha torna-se objeto de seu paralelo:
Sê senhor de teus irmãos,
E os filhos de tua mãe se encurvem a ti.
- Aspecto lexical: focaliza a relação entre palavras paralelas específicas. Por exemplo, pode-se observar o uso poético de duplas de palavras comumente associadas, bem como justaposições criativas e inesperadas. As línguas do Oriente Próximo possuíam muitos pares de sinônimos.19
- Aspecto semântico: observa a relação entre os significados das linhas paralelas, sejam eles sinônimos, antíteses ou sínteses, ou ainda outros tipos de paralelismos;
- Aspecto fonológico: observa o uso de palavras de sons semelhantes para efeitos poéticos.
- PARALELISMO SINÔNIMO é descrito em que a cada linha poética expressa o mesmo pensamento em linguagem equivalente.
a b
Não nos trata segundo os nossos pecados,
a’ b’
nem nos retribui consoante as nossas
iniquidades (Sl 103.10).
Obs. Mais exemplos: Sl 26.2-5; 114 (113); Is 531-5; Sl 60,1-2; Os 11.8-9; Is 2.7
- PARALELISMO ANTITÉTICO é descrito em que a segunda linha reitera a primeira pelo contraste:
a b c d
Um-filho sábio alegra um-pai,
-a -b -c -d
mas um-filho insensato entristece sua mãe. (Pv 10.1)
Obs. Mais exemplos: Sl 1,6; Sl 119.163; Pv 9.8, 12; 10.1.11; 15 (quase todo o capítulo); 17.1 etc.
- PARALELISMO SINTÉTICO (CONSTRUTIVO) no qual a segunda linha complementa ou amplifica a primeira, oferecendo ambas um pensamento completo.
a b c
Narram os céus a glória de Deus,
b’ a’ c’
E o firmamento anuncia a obra de suas mãos. (Sl 19.1)
Obs. Mais exemplos: Sl 19.8-11; Is 14.4-9; 77.18-19; Os 14.6-7; Sl 19.8-9 etc.
- PARALELISMO ANALÍTICO no qual a segunda linha apresenta uma conseqüência da primeira.
a b c
O-Senhor é o-meu-Pastor; nada me faltará (Sl 23.1)
- PARALELISMO CLIMÁTICO no qual a segunda linha repete a primeira e a conduz a um clímax.
a b c
Tributai ao Senhor, filhos de Deus,
a’ b’ d
Tributai ao Senhor glória e força. (Sl 29.1)
Obs. Mais exemplos: Sl 93.3; Jz 5.7
- PARALELISMO EMBLEMÁTICO no qual a segunda linha ilustra a figura apresentada na primeira. Ela o faz sem quaisquer palavras de contraste, simplesmente ao coloca as duas idéias em justaposição.
a b c
Pois quanto o céu se alteia acima da terra,
a’ B’
assim é grande a sua misericórdia
para com os que o temem
(Sl 103.11)
Obs. Mais exemplos: Pv 26.20; 25.4; 11-14, 19.
- PARALELISMO DE ESPECIFICAÇÃO no qual as linhas subseqüentes especificam a (s) precedente (s).
-a -b
O princípio Cessai o-mal
a b
aprendei o-bem
c d
Os exemplos Buscai Justiça
c’ d’
Repreendei a opressão
e f
defendei o órfão
e’ f’
Pleiteai pela viúva (Is 16.c-17)
- PARALELISMO QUIÁSTICO (INTROVERTIDO) no qual a segunda linha repete a primeira, mas em ordem invertida.
A’
Compadece-te de mim, Oh Deus,
B
segundo a tua benignidade,
B’
E segundo a multidão das tuas misericórdias
A’
apaga as minhas transgressões (Sl 51.1)
Obs. Mais exemplos: Pv 23.15-16; Sl 107.16.
1.4.2 Interpretação da poesia hebraica
Com vistas a fins exegéticos e hermenêuticos precisamos de algumas orientações específicas para entender a poesia hebraica. Clyde F. Francisco declara que “não há resultado mais trágico do que a interpretação de uma passagem poética por um teólogo prosaico.”20 Por isso, prestemos atenção as orientações hermenêuticas propostas por Lasor:21
- Análise das passagens: o primeiro passo é determinar quais os elementos e seus componentes poéticos. Por exemplo, Am 1.8 trata evidentemente dos filisteus. As partes ajudam a iluminar a mensagem sobre eles.
a b c
Exterminarei os habitantes de-Azot,
B’22 c’
E o que tem na mão o cetro em-Ascalon.
D’ c’’
Voltarei-minha-mão contra Acaron
E c’’’
para aniquilar o resto dos filisteus,diz o Senhor Javé (Am 1.8)
- Análise, mas não fragmentação. Deve-se ter em mente a mensagem total do verso poético.
a b c d
um-filho sábio alegra um-pai,
-a -b -c -d
mas um-filho insensato entristece sua mãe. (Pv 10.1)
Obs. Obviamente que esse texto não quer dizer que a mãe não tem prazer num filho sábio ou que um pai não se entristece com um filho insensato. O texto de maneira simples, global e máxima parafraseada em si mesma quer dizer que um filho sábio faz os pais felizes, mas um filho insensato lhes dá tristezas.
- Reconhecimento das figuras poéticas de linguagem e recursos estilísticos.23 É preciso perceber no texto a figura de linguagem de acordo com a intenção do autor.
a B C
Ouvi a- palavra do Senhor príncipes de Sodoma
a’ B’ C’
Escuta a lição de nosso Deus povo de Gomorra (Is 1.10)
Obs. É preciso refletir que na época de Isaías os habitantes de Sodoma e Gomorra haviam desaparecido a muito tempo. Ao usar esse tipo de vocativo, o profeta estava comparando a nação de Judá com os piores pecadores já vistos sobre a terra. A figura usada é uma hipocatástase, figura que evoca comparação direta, parecida com a metáfora.24
- A manutenção da beleza da expressão: Ao traduzir o texto original é particularmente necessário preservar cada aspecto atraente, inclusive a poesia.
Profº Jorge Oliveira, bom dia!
ResponderExcluirDeus vos abençoe pelo maravilhoso material, é de grande proveito!
P.S - poderia gentilmente me fornecer as referências?
Fraterno abraço,
Jônatas F
Excelente e inspirador!
ResponderExcluirParabéns.
Gostei muito deste, exclarecedor, me ajudou bastante na conclusão de meu trabalho n curso de teologia
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